Pedrogão Grande: Afinal a Culpa é dos Bombeiros - VIDA DE BOMBEIRO

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sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Pedrogão Grande: Afinal a Culpa é dos Bombeiros


São várias falhas, estruturais, conjunturais e operacionais, que levaram à tragédia em Pedrógão Grande, de acordo com o grupo de peritos independentes que entregaram esta quinta-feira o seu relatório final à Assembleia da República. O combate inicial de um fogo que teve características únicas foi "insuficiente" e ineficaz para travar a tragédia que resultou na morte de 64 pessoas, 34 delas em apenas cinco minutos e num espaço de 300 metros.

Mas os problemas estão também e sobretudo a montante, na capacidade da protecção civil de antecipar problemas e de os combater com eficácia. Os peritos falam na excepcionalidade do incêndio provocado por eventos meteorológicos raros e das dificuldades causadas pelas falhas da rede de emergência nacional (SIRESP), tal como argumenta o Governo, mas o foco das responsabilidades não recai aí, mas essencialmente sobre os problemas em todo o sistema de protecção civil.

O relatório traça um cenário negro da capacidade da Autoridade Nacional da Protecção Civil (ANPC) tal como está, apontando à falta de qualificação e profissionalização dos bombeiros, à não aplicação de conhecimento científico ao combate aos fogos, mas também a descoordenação e falta de mobilidade dos diferentes agentes. E não esquece a não decisão de antecipação da fase Charlie por parte da tutela. Foram estas as maiores questões levantadas pelo relatório, que aponta responsabilidade directa às opções tácticas (de combate ao fogo) e estratégicas (defesa das populações/evacuações ou combate ao incêndio) no combate inicial, que fez com que este se tornasse "impossível de tomar conta" e a tragédia não fosse evitada.

Sem meios aéreos e sem apoio de comando nacional
No documento, os peritos liderados por João Guerreiro, professor universitário e ex-reitor da Universidade do Algarve, fica claro que houve uma avaliação deficiente do incêndio e consequentes opções erradas tomadas no período inicial, sobretudo até às 18h do dia 17 de Junho, quando o incêndio, por causa das condições meteorológicas, toma proporções e comportamentos dantescos.

Os peritos até começam por dizer que "o ataque inicial desenvolveu-se de acordo com as regras estabelecidas", mas logo dizem que deveria ter sido tido em atenção que a freguesia em causa era de elevado risco e que por isso "deveria ter colocado de sobreaviso a autoridade de protecção civil". Em suma, "não houve uma percepção da gravidade potencial do fogo, não se mobilizaram totalmente os meios que estavam disponíveis e os fenómenos meteorológicos acabaram por conduzir o fogo, até às 3h do dia 18 de Junho, a uma situação perfeitamente incontrolável". 

O relatório foca a atenção na deficiente mobilização de meios aéreos. Na chamada fase de ataque ampliado (90 minutos depois do início de um incêndio), entre as 16h e as 18h, "dever-se-ia ter alterado o comportamento do combate", diz o documento, revelando que "não houve intervenção de meios aéreos" durante duas horas na tarde fatídica de sábado. E porquê?

Houve um "excesso de zelo" na gestão dos meios aéreos disponíveis que não deveria ter existido. "As decisões tomadas poderiam ter sido outras se não houvesse um excesso de zelo na mobilização do helicóptero" que estava em Pombal e se "fosse considerado, desde o início, que as freguesias do concelho de Pedrógão Grande estavam referenciadas como freguesias prioritárias, e por isso apresentando um risco potencial significativo", lê-se no relatório. A decisão de accionar pelo menos mais um meio aéreo seria "um procedimento recomendável, mais célere" e seria um factor de "eficácia" e de "eficiência". Uma medida que deveria ter sido tomada tendo em conta as "condições particularmente favoráveis à rápida propagação de incêndios, como no caso em apreço". 

No que à mobilização de meios diz respeito, o Ministério da Administração Interna também não sai isento. Os peritos lembram que não houve uma decisão de antecipar a fase do dispositivo de protecção civil para a fase Charlie, que permite o accionamento de mais meios de combate, uma vez que naquele dia ainda era fase Bravo.

Tendo em conta os avisos e alertas meteorológicos do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), os peritos dizem que se justificava essa antecipação e por isso fazem uma análise "francamente negativa" da "prontidão" dos meios. "Perante os avisos e alertas meteorológicos, estavam criadas as condições para que um eventual incêndio florestal se desenvolvesse, explorando as condições físicas, meteorológicas e de insuficiente prontidão das forças de protecção civil". Por isso, a antecipação para a fase Charlie "poderia ter permitido a detecção mais precoce dos fogos nascentes e certamente teria tido implicações nos resultados do combate aos incêndios".

Por não estar na fase Charlie, naquela zona não estavam activos os postos de vigia, não havia vigilância móvel e armada nem estavam pré-posicionados os meios de combate em local estratégico.

Para essa não decisão contribui um problema a montante, do próprio sistema que não incorpora o conhecimento científico (nomeadamente sobre as condições meteorológicas e a consequente gestão do combate), notando os peritos que a "incapacidade do SDFCI [Sistema de Defesa da Floresta contra Incêndios] em reconhecer e/ou responder atempada e adequadamente às condições meteorológicas que seriam enfrentadas ao longo do dia 17 está na génese da tragédia de Pedrógão Grande".

Importa referir que durante as horas iniciais do incêndio, a estrutura de comando das operações manteve-se ao nível local, demorando várias horas até que as estruturas distritais e nacionais de comando fossem mobilizadas. Até às 19h55, foi apenas o comandante dos bombeiros de Pedrógão Grande, Augusto Aurnaut, quem esteve à frente das operações; o 2.º comandante distrital de Leiria, Mário Cerol, assume o comando às 20h, e só passa para a estrutura nacional, para o 2º comandante nacional Albino Tavares, às 22 horas. 

Evacuação de aldeias deveria ter sido prioridade

O que aconteceu na fase inicial é para os peritos essencial e determinante para perceber o que aconteceu a seguir. O documento até admite que depois das 16h, 17h da tarde, "a probabilidade de sucesso em deter o incêndio seria sempre reduzida, mesmo na presença de ataque ampliado e bem organizado e dispondo de um conjunto reforçado de meios", por causa das condições climatéricas que se desencadearam nessa altura.

Contudo, defendem que tendo a consciência que seria difícil "dominar rapidamente o incêndio", deveria o comando ter tomado "as necessárias medidas de protecção civil", que se traduzem na opção estratégica de gerir a circulação viária, acompanhamento de populações e "preparação de evacuações". Aliás, foi essa a estratégia seguida no dia de domingo, quando procederam a dezenas de evacuações de aldeias como prioridade.

"As medidas que deveriam ter sido tomadas, e da responsabilidade do comando, poderiam ter moderado o efeito do incêndio, designadamente levando à retirada das pessoas das aldeias", explicou João Guerreiro aos jornalistas depois de ter entregue o documento. O especialista reconheceu que além da decisão operacional (privilégio ao combate e não à evacuação) há um problema de sistema. "Se houvesse um sistema de sensibilização e se o comando entre as 15h e as 16h pudesse ter tido uma actuação no sentido de sensibilizar a população e de dar instruções de evacuação ou pelo menos de se meterem nas casas e de não saírem, provavelmente os dramas que aconteceram, não tinham acontecido", defendeu.

Com estas conclusões na mão, António Costa diz que vai fazer uma "reflexão" sobre o documento e aceitar as responsabilidades apontadas, incluindo as políticas "se for caso disso". Numa reacção ao documento, o primeiro-ministro diz que este documento vai ser o "programa" para as reformas que quer fazer, quer na protecção civil, quer na reforma florestal e para isso pediu o consenso dos partidos. Partidos que discutem hoje o tema, num debate de urgência no Parlamento a pedido do PSD.

Fonte: Publico

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