Ao Encontro das Chamas por Amor ao Marido - VIDA DE BOMBEIRO

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segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Ao Encontro das Chamas por Amor ao Marido


Entre resguardar a própria vida ou ir procurar o marido, que julgava estar em apuros nas chamas, Almerinda Neves escolheu a segunda hipótese. Por isso, saiu do local seguro onde já se encontrava e voltou a ir ao encontro do fogo.

Com o cão ao colo, tentou ir às traseiras da moradia onde vivia, pelo lado esquerdo da casa. Joaquim, o marido, escapou-se pelo direito, com vida. De Almerinda, de 64 anos, ninguém soube mais nada durante 24 horas. Nos destroços daquela habitação, onde o casal vivia há muitos anos, em Lagares, Travanca do Mondego, Penacova, foi encontrado, na segunda-feira, o corpo carbonizado. O animal de estimação, que tanto acarinhava, morreu com ela.

Sérgio Neves, de 40 anos, filho mais velho do casal, tinha saído da casa dos pais, onde vivia, pelas 16 horas. "O fogo estava a uns 10 quilómetros", portanto nada fazia adivinhar que chegasse a Lagares. Mas, perto das 18 horas, já lá estava. Sérgio relata a história que ouviu da boca do pai, cujas memórias ainda ardem demasiado para o deixar falar do que passou. "Não havia bombeiros, era cada um por si, a defender o que era seu. Os meus pais tentaram até à última, sozinhos, defender a casa e os animais - cabras e galinhas - que tinham. Até que as chamas começaram a chegar aos pés do meu pai e ele largou a mangueira", conta Sérgio.

Almerinda foi a primeira a perceber que não havia mais nada a fazer. Pegou no cão - "que tratava como um terceiro filho" -, despegou-se dos bens materiais e tentou convencer o marido a ir para a estrada, onde estariam mais seguros. "Vai indo, já vou", pediu Joaquim. "Deixa isso, já cá estou. Anda", gritou Almerinda, em pranto, já na rua. Mas Joaquim ainda quis tentar salvar o trator e dirigiu-se ao barracão onde o guardava. "A minha mãe foi vista, pela última vez, na estrada, com o cão ao colo. O meu pai atrapalhou-se com o trator e demorou algum tempo. Supomos que ela tenha ficado preocupada e tenha tentado ir ter com ele, mas encontrou o fogo, num corredor nas traseiras da casa", adianta Sérgio, tentando reconstruir o puzzle que lhe mostra os últimos momentos da mãe, uma matriarca "que tinha sempre tudo controlado", "prestável para todos" e "muito dinâmica".

Em Travanca do Mondego, cerca de 20 casas e barracões ficaram destruídos. Almerinda foi a única vítima mortal. "A preocupação dela não eram os bens: era o cão e o marido. Era um casal exemplar, de um grande companheirismo, que andava sempre junto. Ela vai fazer muita falta a esta terra", sublinha Lurdes, sua amiga.

Sérgio só conseguiu alcançar a casa dos pais na segunda-feira de manhã. As chamas não o deixaram fazê-lo antes. Durante o dia, surgiram boatos de que Almerinda teria escapado com vida e sido levada dali. Boatos, apenas. Ao final daquele dia, já depois de anoitecer, o seu corpo foi, finalmente, encontrado no meio dos destroços, confirmando o desfecho mais temido.

Fonte: JN

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