Psicólogos de Emergência: Ajudar ao Recomeço - VIDA DE BOMBEIRO

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terça-feira, 4 de julho de 2017

Psicólogos de Emergência: Ajudar ao Recomeço


“Quem são os psicólogos de que tanto se falou esta semana, e como prestam socorro às vítimas de stress agudo?” Esta foi a pergunta a que o Diário de Notícias se propôs responder numa reportagem ontem publicada na revista Notícias Magazine e que aqui lhe damos a conhecer.

«O INEM tem uma das poucas equipas de psicologia de emergência no mundo que faz isto todos os dias. Estiveram no terreno em Pedrógão Grande e estão todos os dias com vítimas de dramas dos quais ninguém ouve falar.

A tragédia entrou-nos pelos olhos dentro. E com ela, o aparato de pessoas a dar resposta a uma das maiores catástrofes das últimas décadas em Portugal: bombeiros, militares, polícia, proteção civil, médicos, enfermeiros, técnicos de emergência pré-hospitalar, pilotos, assistentes sociais, investigadores, políticos, peritos forenses. Mas também uma equipa que, não por acaso, poucos viram e de pouco se fala (exceção às declarações, no início da semana, do presidente do PSD, Pedro Passos Coelho): os psicólogos de emergência do INEM.

O Centro de Apoio Psicológico e de Intervenção em Crise (CAPIC) apoia vítimas de eventos traumáticos e os próprios elementos da instituição que são confrontados com situações mais exigentes. Para entender a essência do trabalho que desenvolvem, é preciso pensar que, naquele fatídico sábado, as pessoas que estavam na zona de Pedrógão Grande passaram a manhã a fazer coisas prosaicas – varrer a casa, a regar a horta, a rir com a vizinha, a combinar com os filhos um almoço na semana seguinte. Horas depois, muitas delas não tinham casa, não tinham horta, não tinham vizinha, não tinham filha e não haveriam de fazer na próxima semana nada daquilo que tinham planeado naquela manhã. Estavam vivos, mas a vida como a conheciam tinha sido consumida pelas chamas.

Os primeiros socorros psicológicos podem, em casos destes ter tanto impacto na saúde mental, como os primeiros socorros médicos têm na saúde física. Esta abordagem, usada sobretudo após uma situação catastrófica, procura estabilizar as vítimas dos eventos traumáticos que estão em stress pós-traumático e depressão, por isso uma das avaliações feita pela equipa é precisamente identificar quem deve ter ajuda de continuidade para recuperar.

Mas o dia-a-dia da equipa nascida em 2004 não é feito deste tipo de situações de exceção, associadas a situações com muitas vítimas como os incêndios, inundações, explosões ou acidentes com autocarros. Em 2016, por exemplo, houve apenas seis. E, no entanto, são diárias as tragédias: o potencial suicida que se senta no topo do prédio decidido a saltar, a mãe que vê morrer um filho afogado, o marido que fica viúvo depois da morte violenta da mulher. Dramas discretos que não aparecem nas notícias, mas que acontecem todos os dias: em 2016, a equipa deslocou-se 539 vezes ao terreno, assistindo um total de 1572 vítimas, e atendeu 8997 chamadas.

A entrega é absoluta e o foco é total. Às vezes percebem que o tempo passou porque o dia se transforma em noite e o calor em frio. «Estamos tão focados que nos esquecemos por momentos de nós e das nossas necessidades», diz Sónia. «Sou mulher, mãe, filha, tenho a minha existência, mas quando estou no terreno esqueço isso tudo, deixo deter preocupações minhas. E só olho de novo para o relógio quando me vou embora.» Flexibilidade é a palavra de ordem porque quando entram de turno não sabem se vão terminar o dia no mesmo sítio e à hora marcada ou a 250 quilómetros de distância da base e quatro ou cinco horas depois do fim do turno.

Um dos grandes desafios dos psicólogos de emergência é o equilíbrio delicado entre empatia e demasiado envolvimento emocional. «As situações tocam-nos, mas tem de haver empatia sem nos transformarmos num amigo da família. Se perco algum distanciamento, transformo-me em alguém que também está a sofrer e deixo de conseguir ajudar», diz Joana Anjos. «Há momentos em que o melhor que podemos fazer é retirarmo-nos por uns momentos para nos voltarmos a equilibrar», completa Sónia Cunha.

Como se sente o peso de negociar com alguém a sua própria vida? Como se vive essa responsabilidade? Margarida Mota garante que não pensa nisso. «Penso no que a pessoa estás a dizer, não nas eventuais consequências.» Joana concorda. «Sim, estou ali com a pessoa e para a pessoa. Por isso é que as negociações geralmente demoram muito tempo. Estamos ali para ouvir, para tentar perceber, para a ajudar a pensar e, sobretudo, para mostrar que há alternativas.» O processo é feito com base numa relação de confiança, é genuíno e honesto porque as palavras são inúteis se não forem sentidas. «Pedimos à pessoa que partilhe o que sente, mas nós fazemos o mesmo. Se vejo a pessoa numa posição de que não gosto digo: “Ricardo, tenho medo que caia. Pode passar um pé para dentro enquanto conversa comigo para termos a certeza de que não vai acontecer nada inesperado?», diz Joana.

Dão muito, mas também recebem muito, garante Joana. «Temos o privilégio de tocar a vida destas pessoas e isso é imenso. Ainda que estejamos ali para tentar ajudar, há uma generosidade enorme de quem nos deixa estar presentes em momentos tão únicos. E isso muda-nos para melhor.»

Fonte: INEM

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