Associadas a ventos fortes e sem precipitação, descargas elétricas terão causado o incêndio, que se propagou depressa
Temperaturas muito elevadas, com valores na ordem dos 40 graus de máxima, e humidade do ar muito reduzida conjugaram-se na tarde de sábado para a formação de trovoadas secas em grande parte do território continental. Terão sido elas que deram origem ao trágico incêndio de Pedrógão Grande de acordo com a Polícia Judiciária, que avaliou a situação no local e indicou ter observado pelo menos uma árvore atingida por um raio.
Tal como acontece com as trovoadas em geral, as trovoadas secas são um fenómeno meteorológico que resulta de movimentos ascendentes rápidos do ar, devido a altas temperaturas registadas junto ao solo.
"É como se tivéssemos uma chapa aquecida", diz o professor e investigador Filipe Duarte Santos, da Faculdade de Ciências na Universidade de Lisboa. "O ar que está sobre a chapa aquece e sobe", explica.
Na atmosfera acontece a mesma coisa. Ao subir rapidamente, o ar arrefece também muito depressa e, a altitudes entre os oito e os 11 mil metros, a humidade que contém, muita ou pouca, condensa-se sob a forma de gotas de água e de gelo e, com o peso, tende a precipitar-se. No entanto, se a humidade no ar que ascendeu for muito reduzida, como aconteceu no sábado na região de Pedrógão Grande - essas condições mantiveram-se, aliás, durante o dia de ontem também -, a precipitação, mesmo que chegue a acontecer, não chega sequer ao solo porque se evapora muito antes devido ao calor - o ar que subiu é substituído por uma nova camada de ar que, por sua vez, aquece e sobe, num processo que é um ciclo contínuo enquanto duram as condições meteorológicas que determinam o fenómeno.
Toda esta movimentação atmosférica, que se traduz em ventos que podem ser fortes, acaba igualmente por se ser num fator de risco em caso de incêndio, uma vez isso potencia a rápida propagação de chamas se a queda de um raio causar a sua ignição.
Em Pedrógão Grande, no sábado, estavam reunidas todas as condições para isso e o incêndio aconteceu mesmo, propagando-se depois rapidamente, favorecido não só pelos ventos que se formam durante o processo da trovoada mas também pelas grandes diferenças de temperaturas geradas pelo próprio fogo. Tudo isso foi depois potenciado pelo calor, pelo ar seco e pela secura da própria vegetação.
"Toda a região da Península Ibérica está muito seca. Choveu pouco no inverno e a primavera também foi muito seca", refere Filipe Duarte Santos.
A isso vieram juntar-se as condições meteorológicas dos últimos dias, com temperaturas máximas muito elevadas em todo o território continental, entre os 35 e os 40 graus, com mínimas acima dos 20 a 22 graus, segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, que prevê a continuação do tempo quente nas regiões do interior, com vento a soprar do quadrante sul e leste, pelo menos até amanhã ou até quarta-feira.
Independentemente dos meios utilizados no combate ao incêndio, que foram sempre sendo reforçados, nestas circunstâncias esta é sempre uma batalha desfavorável aos bombeiros enquanto as condições meteorológicas se mantêm. Além disso, o tipo de floresta existente na região, o seu estado de manutenção e a topografia do terreno, com grandes diferenças de relevo, através do qual ela distribui como uma massa densa e compacta, também não ajudam nada.
"Entre os cinco países mediterrânicos que incluem Portugal, França, Espanha, Itália e Grécia, e que são mais vulneráveis aos incêndios florestais, Portugal tem alguns recordes", avança Filipe Duarte Santos. "É entre os cinco o que tem o maior número de ignições [de fogos] por cem mil habitantes, são milhares de ignições anualmente, e é entre todos o único cuja área florestal tem diminuído em consequência dos incêndios." Para o especialista, estas são questões que têm de ser estudadas para se perceber o que deve ser feito a fim de se inverter essas tendências. Com a perspetiva de situações meteorológicas como as que propiciaram o incêndio de Pedrógão Grande a tornar-se mais frequentes num mundo mais quente, devido às alterações climáticas, fazê-lo já começa a ser urgente.
DN
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