No seu número de novembro de 2016 o Jornal Bombeiros de Portugal (JBP), órgão da Liga dos Bombeiros Portugueses (LBP) publicou afirmações do presidente da LBP, Comandante Jaime Marta Soares (JMS) que coincidem em grande parte com as opiniões que emitiu anteriormente num programa da TVI, sobre o mesmo assunto.
Por visarem o bom nome e a reputação do trabalho desenvolvido pela equipa que dirijo, no Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais da ADAI (Universidade de Coimbra) apresento esta nota, fazendo uso do direito de resposta que nos assiste.
Começo por esclarecer que o que me move a produzir esta nota não é qualquer motivação pessoal de defesa da minha pessoa nem de ataque a quem quer que seja. Move-me sim a estima e respeito que tenho pelos Bombeiros – os quais, estou seguro, que na sua globalidade são recíprocos – que me leva a não deixar que os mesmos estejam expostos a uma informação de único sentido, proveniente de fontes que, neste âmbito pelo menos, não servem os seus melhores interesses. Estou certo de que as afirmações de JMS terão causado perplexidade a muitos Bombeiros, que reconhecem e valorizam o trabalho da minha Equipa, que procura colocar o seu trabalho ao seu serviço e, muito em particular, da sua segurança pessoal.
O Relatório que é objeto de discussão, constitui a segunda parte de um Relatório que o Governo anterior, na pessoa do seu Ministro da Administração Interna, Dr. Miguel Macedo, solicitou à minha Equipa sobre os dois maiores incêndios ocorridos em 2013 e sobre os acidentes em que perderam a vida oito Bombeiros e três Civis, nesse ano. Este pedido fora aliás precedido de uma solicitação semelhante, no ano de 2012, que teve em vista a análise do incêndio de Tavira. Os dois Relatórios foram produzidos pela minha Equipa, sob a minha supervisão, com total espírito de independência e dedicação e nos prazos estipulados. A pedido do Governo, o Relatório do ano de 2013 foi dividido em duas partes, uma primeira referente aos dois incêndios e uma segunda, que abordava os acidentes em que houve vítimas mortais. Como é do conhecimento geral a primeira parte deste Relatório foi tornada pública, ao passo que a segunda parte foi mantida sob reserva por razões invocadas pelo Ministro e que são explicadas no artigo do JBP. É esta segunda parte do Relatório que está em causa e que, por isso passaremos a designá-la simplesmente por “Relatório”.
Embora tenhamos manifestado desde sempre, junto de quem de direito, o nosso desacordo em relação à decisão de não publicar o Relatório, respeitámos e acatámos a decisão do Governo anterior, a qual ainda se mantém atualmente. A não publicação do Relatório tem motivado diversos mal-entendidos e intervenções públicas, como a de JMS, desfocadas da realidade e completamente infundadas. A limitação que nos foi imposta, de não divulgarmos o Relatório, tem dado azo a que algumas pessoas se sintam autorizadas a dizer o que lhes apetece a seu respeito sem que possamos apresentar uma defesa clara das nossas posições, mas há limites para isso.
Devo informar ainda que o Relatório foi preparado pela Equipa de investigação que coordeno, resultou da visita aos locais em que ocorreu cada um dos acidentes, da consulta de dezenas de documentos e da audição de centenas de pessoas, envolvidas nas várias situações, entre os quais Bombeiros, civis e elementos responsáveis de diversos organismos. Resulta daqui que o conteúdo do Relatório, embora seja da nossa responsabilidade, reflete de um modo fidedigno o testemunho que recolhemos de um grande número de intervenientes, entre as quais se incluem quadros de comando dos Bombeiros, com experiência e prestígio, alguns dos quais sofreram diretamente a perda de elementos seus nestes acidentes. Não deixámos de ouvir e de dar a devida atenção a todos aqueles que se manifestaram disponíveis para prestar o seu testemunho, incluindo JMS.
A primeira questão que se coloca neste processo é a de saber se JMS conhece ou não o Relatório. Numa reunião que tive com ele em agosto passado declarou-me que não o tinha lido. Se esta situação não se tiver alterado – como presumo, pela natureza das declarações que tem vindo a fazer, – torna-se difícil compreender como é que um dirigente de um organismo como a LBP se dispõe a comentar e a qualificar um documento que não conhece nem leu. Julga-se autorizado a fazê-lo com base num artigo de um jornal que publicou excertos, necessariamente sucintos e retirados do contexto? Se não leu o documento, pergunto como se explica que um responsável pela LBP, que se propõe representar e defender os interesses dos Bombeiros, não se preocupa em conhecer um documento desta importância?
Neste Relatório, como em todos os que temos produzido sobre estes incidentes, são relatadas as circunstâncias em que os acidentes ocorreram, e analisam-se os problemas encontrados, para se extraírem lições para o futuro e fazem-se recomendações para evitar a repetição destes erros e os acidentes a que deram origem. Quando encontramos situações novas e inexplicadas, procuramos estuda-las e resolvê-las, por meio da investigação que realizamos. Em seguida transmitimos esses conhecimentos aos Bombeiros e a outros Agentes de Proteção Civil, que têm de lidar com os incêndios florestais. Desta forma temos contribuído para melhorar a cultura da segurança entre os Bombeiros de Portugal.
Temos encontrado esta atitude de falta de interesse por estes estudos nalgumas pessoas que se consideram estar acima da crítica. Como julgam que sabem tudo, que são os melhores do mundo, consideram que nada têm a aprender pois consideram que todos os outros se situam a um nível inferior. Felizmente, com contribuições como a nossa, esta mentalidade está a desaparecer, com o surgimento de novas gerações de Bombeiros com melhor educação escolar, maior preparação académica e cultural. Seria bom que também entre os dirigentes dos Bombeiros esta mentalidade deixasse de ter expressão.
Nas suas declarações, JMS considera que o nosso Relatório não é fidedigno nem merece credibilidade. Ao fazê-lo está implicitamente a dizer que as pessoas com quem falámos não merecem crédito ou que nos mentiram. Nisso não acreditamos. Em todo o caso, convido JMS a indicar explicitamente onde é que o nosso Relatório falta à verdade, pois enquanto dirigente dos Bombeiros deve fundamentar aquilo que diz.
JMS diz que “os Bombeiros não negligenciam a própria vida”. Admito que sim, no entanto os Bombeiros morrem, e os factos mostram que houve Bombeiros que perderam a vida não por obra do acaso ou da má sorte. Posso mostrar no nosso Relatório que, em várias circunstâncias – por falta de conhecimento ou de formação, – houve Bombeiros que negligenciaram a segurança da sua vida e de terceiros, embora sabendo que isto custa a ouvir a pessoas que se julgam ser os melhores e que nada mais têm a aprender.
Nas suas declarações JMS vai ao ponto de fazer uma acusação grave aos autores do Relatório, que é a de afirmar que “definimos a terapêutica e depois vendemos os medicamentos”. Também aqui JMS deve substanciar a crítica que nos faz e explicar qual é a nossa terapêutica e quais são os “medicamentos” que nós vendemos.
No próprio artigo do JBP se refere que do nosso Relatório – como já havia sucedido com o Relatório de 2012 – decorreram alterações de estratégia, de formação, de equipamentos e de procedimentos. Este esclarecimento do Dr. Miguel Macedo não apenas contradiz as afirmações de JMS quando diz que o nosso Relatório é irrelevante e que não ajuda a resolver os problemas dos Bombeiros, como sabemos que a própria LBP tem participado neste processo, não apenas por meio da ENB, a que está ligada, como pela angariação de fundos, segundo é publicitado, em várias campanhas realizadas ao longo de 2016, para melhorar as condições e equipamentos dos Bombeiros.
Coimbra, 4 de janeiro de 2017
Domingos Xavier Viegas
Diretor do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais
ADAI/LAETA – Universidade de Coimbra
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