A 18.ª lei do futebol e as dores de cabeça. Podem os bombeiros “viver do voluntariado”? - VIDA DE BOMBEIRO

______________________________________________________________________

________________________________________________________________

________________________________________________________________

________________________________________________________________

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

A 18.ª lei do futebol e as dores de cabeça. Podem os bombeiros “viver do voluntariado”?


Mais de 90% dos bombeiros portugueses são voluntários. Em Chaves diz-se que depender de voluntários para responder a uma população de 42 mil habitantes “roça a irresponsabilidade”.

“Tenho mais dores de cabeça aqui do que na minha actividade profissional”, confessa José Lima, polícia de profissão, bombeiro por missão. Organizar e gerir toda a acção dos voluntários “não é fácil”, confessa José, que é comandante da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários Flavienses, em Chaves.

Vale-lhe a “experiência” e o “traquejo” que adquiriu em “18 anos de corpo de intervenção, quase 26 anos de polícia, e como 2º comandante nos bombeiros de Montalegre”. De onde vêm as dores de cabeça? “É preciso gerir várias mentalidades, várias formas de pensar.”

“Além de termos que manter a disciplina e as regras que estão estabelecidas legalmente, temos que praticar a 18.ª lei do futebol, que é o bom senso e saber compreender e adaptarmo-nos a eles e adaptá-los ao serviço que necessitamos, porque, se levarmos isto de forma muito rigorosa, para eles é especialmente fácil irem embora”, elabora.

É assim porque esta cooperação, como a maioria das portuguesas, depende do trabalho de voluntários. Mais de 90% dos bombeiros portugueses são voluntários.

“Temos mais de 90 bombeiros. A maior parte tem uma actividade profissional paralela à actividade de bombeiro voluntário. Não têm a disponibilidade que eu gostaria que tivessem, mas compreendo, pois têm famílias para sustentar. Mas conto com a grande maioria para a missão que temos em mãos”, realça José Lima.

Uma das preocupações do comandante José Lima é evitar saídas e estimular entradas porque trabalho – do serviço pré-hospitalar aos desencarceramentos e resgates, além, claro, dos incêndios – não falta aos bombeiros. “Hoje, por exemplo, estivemos a colaborar com a Junta de Freguesia da Madalena, na limpeza da Igreja. Só os bombeiros é que estão predispostos para fazer isto e vão fazê-lo sem cobrar nada”, exemplifica.

“A actividade dos bombeiros é de 365 dias por ano e 24 horas por dia”, mas “a população, e infelizmente até o próprio poder, só se lembra dos bombeiros durante três meses, nas famosas fases dos incêndios florestais”. Só em 2016, os bombeiros flavienses fizeram 3.800 serviços, percorreram 550 mil quilómetros, num total de 21 mil horas de intervenção e mais de 40 mil horas de voluntariado.

A Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários Flavienses, fundada em 3 de Fevereiro de 1889, é Instituição de Utilidade Pública desde 1928 – é uma das mais antigas do país. Tem 800 sócios e serve uma população de cerca de 42 mil habitantes.

Despesas “enormes”, apoios curtos

A missão é vasta e comporta grandes despesas. “As despesas são enormes e, por vezes, não há a sensibilidade necessária do poder político, quer da tutela quer da autarquia, face às despesas, aos custos, aos gastos que temos diariamente”, lamenta o presidente da corporação, Nuno Chaves, de 32 anos.

Considera “imperioso um reforço de apoios” para fazer face às “muitas necessidades” da associação humanitária e já o tem reivindicado junto do Governo e da autarquia de Chaves.

As fontes de receita provêm de “alguns apoios por parte da tutela e parte do município, do transporte de doentes” (a “principal fonte de receita”), de “apoios e donativos de pessoas e empresas, e de campanhas”.

A direcção da associação humanitária quer diversificar as formas e fontes de financiamento, através de campanhas para a angariação de fundos.

Bombeiros por paixão

A maioria dos entrevistados da Renascença acreditam que a profissionalização é um caminho que urge percorrer, para dar mais segurança e protecção às populações, mas, até lá, é, sobretudo, com os voluntários que o país conta.

Sílvia Vilaça é bombeira há 18 anos. Ainda criança começou a frequentar as instalações dos bombeiros, “o bichinho começou a crescer” e fez-se bombeira “para ajudar o próximo”. Uma opção de vida que exige muitos sacrifícios, desde logo em termos familiares.

“É muito complicado. Sou mãe de dois filhos. O mais velho nasceu quando entrei para os bombeiros e, por vezes, é difícil conjugar as duas coisas”, conta, salientando, embora, que a família compreende a missão – o marido também é bombeiro e o filho mais velho já está a estagiar na corporação. “E vamos ver se o mais novo vai seguir os mesmos passos”, sorri.

Funcionária do hospital de Chaves, sempre que Sílvia está a trabalhar e recebe uma mensagem a dar conta de alguma ocorrência, a vontade “é partir e ir ajudar”. Não podendo colaborar, sente “um profundo vazio”, mas compreende que “quem paga o ordenado não esteja disponível para dispensar os colaboradores”.

Fábio Nozelos tem 19 anos. É bombeiro há seis meses, mas o sonho, a paixão, já vem de há muito. Em miúdo, sentia-se atraído pelos carros de bombeiros. A paixão começou a crescer até que se fez voluntário “para ajudar o próximo sem esperar receber algo em troca”. “Cada vez mais gosto de ser bombeiro. É um orgulho imenso.”, confidencia.

Já ultrapassou algumas situações complicadas em incêndios urbanos, mas lembra que o lema é “vida por vida”.

Fábio é sócio-gerente de uma empresa de madeiras. Apesar de os sócios serem os pais, não é fácil conjugar o trabalho com as solicitações, enquanto voluntário. Sempre que está a trabalhar e recebe uma mensagem a relatar a ocorrência é um dilema: por um lado, a gestão da empresa; por outro, a vontade de ajudar. “É difícil. Muito difícil. É preciso pensar nas consequências de ir ou ficar, mas o nosso dever é ir e sempre que posso, vou.”

Os pais nem sempre compreendem as saídas. Fábio compreende e até diz que “não é fácil ter um filho bombeiro”.

“O socorro não pode viver do voluntariado”

O voluntariado é muito importante, mas o caminho tem de passar pela profissionalização, defende Nuno Chaves.

O presidente dos bombeiros flavienses dá o exemplo do concelho de Chaves, com uma população de aproximadamente de 42 mil habitantes. “O facto de não dispor de uma equipa profissional e continuar a ter que responder e assegurar a protecção e a segurança das pessoas e bens de forma voluntária é algo que pode até roçar a irresponsabilidade”, denuncia.

Os tempos mudaram e “não há a mesma flexibilidade por parte das entidades patronais para a dispensa dos colaboradores”, argumenta.

A criação de uma equipa de intervenção com cinco elementos profissionais na Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários Flavienses é uma pretensão “já manifestada de uma forma muito clara, quer ao presidente da autarquia, quer ao secretário de Estado”, revela Nuno Chaves.

Também o comandante operacional considera que “deve manter-se o voluntariado e o bombeiro voluntário, para integrar os jovens neste tipo de causas”, mas entende que “o socorro não pode viver do voluntariado”.

“O socorro, tal como a segurança, tem que ser profissional, porque ninguém pode estar à espera que eu mande uma SMS para os bombeiros virem socorrer uma pessoa, por exemplo, que está encarcerada e eles respondam no tempo útil, porque são voluntários e têm um emprego a manter.”

Fonte: Renascença

Sem comentários:

Enviar um comentário