Exmo Senhor Ministro da Saúde,
Dr. Paulo Moita de Macedo,
Excelência,
Dirijo-me a V. Exa enquanto Presidente do INEM, por dever de lealdade e verdade, não esquecendo a minha condição de militar e de médico, e atendendo ao teor das notícias hoje divulgadas pela Imprensa relativas ao Relatório e Processo de Inquérito da IGAS, do qual como visado não tive ainda conhecimento, e admitindo que o que foi veiculado nos órgãos de comunicação social possa corresponder ao teor de um documento oficial daquele organismo ministerial.
Ao abrigo dos direitos constitucionais que asseguram substrato de validade às Leis que protegem a honra pessoal, o bom nome profissional e as capacidades jurídicas funcionais de Presidente do INEM solicito respeitosamente que V.Exa tome devida nota de alguns tópicos de análise deste tema que de seguida exponho:
1 - A ser verdade que as notícias correspondem ao teor de um relatório de inquérito produzido pela IGAS, importa sinalizar ao Senhor Ministro que aquele organismo não respeitou o legalmente prescrito dever de investigação completa dos fatos relevantes nem o direito a contraditório, elaborando propostas de conclusões sem integrar conhecimento adequado da realidade ocorrida e sem levar à devida e obrigatória ponderação os seguintes factos concretos:
1.1 - a doente em causa foi transportada inicialmente pela VMER/INEM, entrando no sistema via 112 e nunca abandonando a interface hospitalar-pré-hospitalar;
1.2 - houve uma reclamação da família para o INEM por ser deste organismo a responsabilidade de tutela sobre a doente;
1.3 – não foi ouvido o Diretor do Serviço de Helitransporte do INEM;
1.4 – não foi ouvido o outro único médico intensivista que, para além de mim como médico intensivista, teve intervenção no processo e concordou com a estratégia clínica face à doente e necessidade absoluta de assim proceder.
1.5 - Não foi ouvido nenhum perito independente em medicina intensiva.
1.6 – Não foram ouvidos, a este propósito, os enfermeiros do INEM que me acompanharam no dia 25 de janeiro.
1.7 - Não quis a IGAS ouvir a família da doente, de forma a, de uma vez por todas, se clarificar que jamais houve alguma relação de amizade a subverter a minha atuação, sendo as minhas decisões tomadas em absoluta igualdade de critérios e em equitativa oportunidade a todos os outros doentes.
2 - Enquanto Médico e gestor público/Presidente do INEM, não posso ignorar ou fingir não conhecer as fragilidades do sistema de saúde SNS que V. Exa superiormente dirige.
Sabe V.Exa, melhor do que eu, que tais fragilidades colocaram e continuam a colocar em risco várias vidas, designadamente por ineficiências do sistema, nomeadamente nos serviços de urgência.
Este caso subjacente às notícias e ao inquérito da IGAS foi um exemplo claro de tais fragilidades e ineficiências do sistema de saúde hospitalar, dos muitos a que o INEM vai dando resposta silenciosamente no dia-a-dia, com uma gestão rigorosa mas comprometida com a vida da sua interface hospitalar-prehospitalar.
3 Neste processo em concreto, e face à doente nas circunstâncias que me foram trazidas ao conhecimento pela já mencionada reclamação da família, o meu entendimento profissional e ético e único objetivo de ação foi colocar o valor vida humana e sua defesa no terreno do real - Missão indeclinável do INEM - no centro das decisões técnicas que havia que empreender.
4 Não vi, naquelas circunstâncias de realidade urgente, em que o INEM estava colocado por ter a tutela da doente, que outra ou outras decisões poderia tomar, fosse como médico fosse como gestor de um serviço público de emergência médica.
5 Hoje mesmo, fazendo um inventário retrospetivo de possibilidades de ação alternativa, continuo a não ver que outra decisão poderia tomar naquelas circunstâncias, a não ser admitindo a mim próprio e ao INEM uma violação de deveres indeclináveis de proteção responsável daquela doente a nosso cargo.
6 Contudo, se razões exteriores aos nossos deveres funcionais e éticos, eventualmente motivados por economicismo ou cinismo político, nos tivessem guiado para a indiferença e imobilismo, estaríamos hoje certamente, todos e em todas as instâncias do Sistema, acusados de homicídio involuntário, por ter havido atraso irremediável do tratamento configurado no conceito jurídico de “perda de chance” (conforme acórdão prévio do Tribunal Cível de Lisboa).
7 À data dos factos, a doente encontrava-se em tratamento e não era, contrariamente ao noticiado, uma doente terminal. E tal foi-me reportado, nestes exatos termos, pela médica assistente.
8 Ao que interessa, e no caso concreto, a decisão de transporte secundário e de helitransporte foi tecnicamente adequada e efetuada via CODU, permitindo fazer diagnóstico e estabelecer prognóstico, evitando que morresse mais uma doente perdida num serviço de urgência de um hospital SNS incapaz de dar resposta às necessidades da população que devia servir adequadamente.
9 Têm, pois, o INEM, as equipas médicas e eu próprio, a certeza de termos, neste caso concreto, cumprido escrupulosamente a Missão de que estamos legalmente incumbidos, sem outro interesse ou ambição que não seja dormirmos de consciência tranquila, por em cada circunstância e na medida das necessidades, estarmos sempre do lado da vida, contra a incompetência, a indiferença e a desumanidade de quem apenas vê nos doentes o negócio e a sua rentabilidade.
10 Não me revejo nas pretensas conclusões do relatório veiculadas pelos órgãos de comunicação social, designadamente no que concerne à violação dos deveres gerais:
10.1 - Isenção e imparcialidade de fato não retirei vantagem para mim, pelo contrário, nem para terceira pessoa. Atuei como médico, quando acorri ao hospital para observar a utente e dar a minha opinião.
10.2 - Não privilegiei a utente em detrimento de outra, pois não tive que escolher entre observar esta ou outra, e se no hospital me tivesse sido pedida colaboração observaria esta e outos doentes que de mim necessitassem.
10.3 - Não disponibilizei bens públicos a interesses particulares. Na hipotética situação de que um médico recorresse ao INEM, a solicitar o transporte da doente por Heli, teria sido obtido o mesmo resultado.
10.4 - Apesar do Heli ser um meio altamente diferenciado, o seu uso não colocou em perigo o socorro à população, e foi menos do que enviar uma ambulância e VMER no transporte da doente, que essa sim poderia deixar de prestar socorro, e traria mais despesa ao erário público.
10.5 - Senhor Ministro atuei aqui, e como Vossa Excelência sabe, atuaria noutra situação similar, de prestar socorro, a qualquer cidadão que dele precisasse.
10.6 – Por tudo isto, só posso refutar as violações dos deveres gerais que hipoteticamente possam sustentar o relatório da IGAS.
Senhor Ministro Dr. Paulo Macedo,
Estes factos são reais, concretos, determináveis e explicativos do que verdadeiramente se passou, tendo sido devidamente acautelado que se usassem os bens públicos que administro de forma racional e tecnicamente adequada, sem custos adicionais para o sistema e, volto a sublinhar por demasiado óbvio e facilmente comprovável, sem qualquer benefício pessoal.
Encontro-me ao dispor para esclarecer pessoalmente estas e outras questões a Vossa Excelência.
Assim, e também por ser este um processo fortemente mediatizado, espero encontrar em V. Exa a autonomia de critério e isenção pessoal de que necessito para a minha fundamental solicitação de que se digne decidir sobre o processo, com a única exigência que, como militar e médico, posso fazer ao Ministro da Saúde da República Portuguesa: faça JUSTA JUSTIÇA.
Paulo Amado de Campos
Presidente do INEM
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