Com a publicação no dia de ontem das novas guidelines do European Resuscitation Council urge a necessidade de se fazer algumas anotações daquilo que foi a leitura, diga-se à diagonal, dos documentos que aquele órgão disponibilizou.
Assim e ressalvando o facto dos artigos hoje publicados na Resuscitation Journal, determinaremuma serie de recomendações para os Conselhos e Instituições Nacionais analisarem e posteriormente validarem junto dos seus Conselhos Técnico Científicos, o seu rigor e aceitação académica fazem dos mesmos, linhas orientadoras de uma prática que se quer cada vez mais baseada na evidência.
Assim é fundamental sintetizar as grandes recomendações da ERC:
No que diz respeito à intervenção na Dor Torácica de Origem Cardíaca – O ERC recomenda que na suspeita de dor torácica de origem cardíaca qualquer pessoa (podendo inclusive ser a pessoa que liga para os serviços de emergência), proceder à administração o mais precocemente possível de AAS (ácido acetilsalicílico conhecido como Aspirina) mastigável entre 150mg-300mg per os (via oral). Convém referir que em 2010 já havia uma recomendação idêntica sem que à data de hoje a nível nacional houvesse uma disseminação deste tipo de procedimento no síndrome coronário agudo.
É dada primazia à realização de ECG o mais precocemente possível (TAE/TAS não tem de saber interpretar traçado… mas se têm ECG disponível devem realiza-lo para que aquando da chegada da ajuda diferenciada possam estes ter acesso a um traçado precoce e compara-lo com o que vai realizar com =/+ derivações).
Quanto à administração de oxigénio na dor torácica se a pessoa se apresentar sem dispneia ou cianose, o mesmo não deve ser providenciado, pois as altas concentrações de oxigénio na presença de um síndrome coronário agudo não se revelambenéficas.
Os Compressores Mecânicos (equipamentos que de forma autónoma realizam compressões torácicas externas) veem o seu papel reforçado e esclarecido – Os compressores mecânicos durante o transporte incrementam segurança e qualidade na reanimação em comparação com a realização de compressões manuais. Quer isto dizer que as guidelines defendem vivamente a sua utilização durante o transporte, ressalvando o fato de que as compressões manuais devem ser mantidas sempre que estejam reunidas as condições para tal,diminuindo assim os tempos em que não estão a ser realizadas manobras.
Outra das grandes recomendações passa pelo posicionamento da pessoa que se encontra em choque hipovolémico. Segundo as guidelines não existe evidência do benefício de posicionamentos como o muito difundido trendelenburg modificado.
Na crise asmática a utilização de broncodilatadores revela-se fundamental para se reverter uma situação de dispneia (dificuldade respiratória), pelo que as recomendações sugerem que os Socorristas sejam treinados para a utilização de Broncodilatadores através dos vários métodos de administração (Câmara expansora, dispositivos multidose, inaladores pressurizados e/ou nebulização).
A anafilaxia é também abordada nestas guidelines com a recomendação de administração de epinefrina pelos primeiros socorristas que abordam a pessoa (fundamentação baseada na alta taxa de mortalidade associada), dando especial atenção aos tempos para a administração de uma 2ª dose caso os sintomas não revertam(administração a ser realizada com dispositivo do tipo auto injetor – tipo Epipen®).
A desidratação é outro dos temas abordados. Assim e sempre que a pessoa se encontre consciente e com reflexo de deglutição deve-se proceder à administração oral de soluções com dextrose (Soro com dextrose) ou em alternativa leite de coco em pequenos goles, chá ou como ultimo recurso água em pequenos goles.
No Controlo Hemorrágico recomenda-se a utilização de compressas e ligaduras hemóstáticas, recomendando-se o treino das equipas. Ressalva-se o facto que estas conclusões provêm da adaptação da Medicina Táctica-Militar ao ambiente civil, pelo que também é altamente recomendado a utilização do torniquete tendo em conta a redução da mortalidade nas hemorragias exsanguínantes.
Ao nível do trauma a recomendação que mais se destaca reporta-se à utilização de colares cervicais. Assim, a aplicação de colares cervicais em vítimas de trauma é uma prática regular que se suporta no consenso e na opinião dos técnicos de emergência pré hospitalar sem que ao longo dos anos tenha sido validada por existência de evidência científica. Quer isto dizer que vem agora a evidência científica através de estudos realizados em pessoas estabilizadas com recurso a técnicas de trauma onde foi aplicado colar cervical, mostrar que a aplicação do colar cervical pode agravar lesões tais como, através do mecanismo de aumento da pressão intracraniana. Passa assim a não ser recomendada a utilização de colares cervicais como rotina nas técnicas de trauma, recomendando-se a estabilização manual da coluna cervical.
Tentei focar aquilo que considero serem os abanões face aquilo que são as práticas atuais, as grandes celeumas e as práticas que suscitam mais discussão. Volto a referir que estas anotações suportam-se de uma leitura breve e sucinta dos artigos pulicados no Resuscitation Journal e carecem de uma análise mais profunda sobre os mesmos. Penso que seja fundamental alertar todos aqueles que acabam de ler estas anotações que toda e qualquer alteração aos procedimentos instituídos para tripulantes, enfermeiros e médicos devem ser salvaguardados até que as instituições nacionais revejam junto das suas comissões os seus manuais e respetivos algoritmos de atuação.
Termino dizendo que jamais em tempo algo os cuidados de nível avançado terão sucesso, se os cuidados básicos não forem prestados com qualidade e cunho de excelência.
Agora as pessoas que necessitam de cuidados esperam por nós! Até já!
Nuno Delicado
Bombeiro de 3ª
Corpo de Bombeiros Voluntários de Setúbal
Através de BPS-Bombeirosparasempre
Referências
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