Hoje queria escrever sobre o ser humano. Iria falar sobre sua dissimulação, falsidade e orgulho, mas desisti.
A decepção causada por alguns não pode ser generalizada.
Com certeza existem pessoas comprometidas, fieis e honestas, mas temos que estar atentos, pois muitas se escondem em peles de cordeiros, de baixo de rostos fora de qualquer suspeita, como algumas que conheci no passado, é onde encontramos os maiores monstros.
São essas que irão te ferir e tentar te destruir. Isso serve para tudo em nossa vida!
Mas mudando de assunto…
Quem ama realmente a sua profissão, por alguns instantes, sentirá lágrimas escorrendo pelo rosto ao se identificar com cada afirmação…
Sem querer lembrei-me das duas vezes em que vi viaturas capotadas durante ocorrências…
De pessoas ensanguentadas que socorremos, ou com outros tipos de crises em que tivemos contato…
Lembrei-me das brigas que separei, dos conselhos que dei…
De orações feitas durante a madrugada… De choro, dos risos…
Lembrei-me do fogo, do medo, das mortes…
Da vitima presa nas ferragens na rodovia…
A imagem da vitima de afogamento que perdi nas águas, nunca saiu de minha mente…
Quanta dor, quantas perdas, quanta alegria, quanta emoção!
Ser bombeiro é algo inimaginável… Só sendo para saber como é!
Como bombeiro, raramente recebi um “obrigado”, ao retirar um gatinho de uma árvore, nem por mergulhar num esgoto, para salvar uma pessoa que foi levada por uma enxurrada.
Tive que aprender a me acostumar com isso, além de começar a compreender como a linha da vida é tênue e perdemos a vida por besteira.
Como bombeiro, enfrentei o maior choque cultural de minha vida, ao ter de argumentar com todo tipo de pessoas, do mendigo ao magistrado, entrar em todo tipo de ambiente, do meretrício ao monastério.
Como bombeiro, fui parteiro, quando não dava tempo de levar as grávidas ao hospital, na madrugada;
Como bombeiro, fui psicólogo, quando um colega discutia com a esposa, diante da incompreensão dela, às vezes, com a profissão do marido;
Como bombeiro, fui assistente social, quando tinha de confortar a mãe de alguma vítima assassinada por não possuir algo de valor que o assaltante pudesse levar;
Como bombeiro, fui borracheiro e mecânico, ao socorrer idosos e deficientes com pneus furados;
Como bombeiro, fui pedreiro, ao participar de mutirões para reconstruir casas destruídas por desabamentos;
Como bombeiro, fui paramédico fracassado, ao ver uma criança ir a óbito a bordo da viatura;
Como bombeiro, fui paramédico realizado, ao desengasgar uma criança sufocada;
Como bombeiro, fui obrigado a me tornar gladiador em arenas repletas de terroristas, que são os membros de torcidas organizadas, em jogos de times pelos quais nem torço;
Como bombeiro, sobrevivi a um grave acidente com viaturas, nunca a menos de 120 km/h, na ânsia de chegar rápido àquela residência onde um idoso estava morrendo;
Como bombeiro, fui juiz da vara cível, apaziguando ânimos de maridos e mulheres exaltados;
Como bombeiro, fui atropelado por um cidadão embriagado enquanto realizava um resgate em alguma avenida;
Como bombeiro, arrisquei-me a contrair vários tipos de doenças, ao banhar-me com o sangue de vítimas às quais não conhecia, mas que tinha obrigação de tentar salvar;
Como bombeiro, arrisquei contaminar toda a minha família com os mesmos tipos de doenças, pois ao chegar em casa, minha esposa era a primeira a me abraçar, nunca se importando com o cheiro acre de sangue alheio, nem com as manchas que tinha de lavar do uniforme;
Como bombeiro, fui juiz de pequenas causas, quando em minha folga, alguns vizinhos me procuravam para resolver seus problemas;
Como bombeiro, fui o homem que quase perdeu a razão, ao atender uma filha que havia sido estuprada pelo pai;
Como bombeiro, fui guardião de mortos por horas a fio, sob o sol, a chuva e a neblina, à espera dos legistas, que encontravam dificuldade para encontrar o endereço;
Como bombeiro, fui o cara que mudou todos os hábitos para sempre, andando em estado de alerta 25 horas/dia, confiando desconfiado.
Na hora do bônus, ESQUECIDO;
Na hora do ônus, CONVOCADO.
Tive de tomar, em frações de segundo, decisões que os julgadores, no conforto de seus gabinetes, tiveram meses para analisar e julgar.
E mesmo hoje, calejado, ainda me deparo com coisas que me surpreendem, pois afinal ainda sou humano.
Não queria passar pelo que passei, mas fui voluntário, ninguém me laçou e me enfiou dentro de uma farda, não é mesmo?
Observando-se por essa ótica, é fácil ser dito por quem está “DE FORA”, que minha opinião não importa, ou que simplesmente, não existe.
AMO O QUE FAÇO E O FAÇO PORQUE AMO.
Tanto que insisto em levar essa vida, e mesmo estando atualmente em outra esfera do serviço dos bombeiros, sei que terei de passar por tudo de novo, a qualquer hora, em qualquer dia e em qualquer lugar.
E O FAREI, SEM RECLAMAR, NEM RECUAR.
Fonte: http://pensamentosdeumbombeiro.blogspot.pt/

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