Vitorino Ferreira de Sousa tem 67 anos e já está reformado. Porém, continua, dia após dia, a percorrer os cantos onde trabalhou durante quase quatro décadas.
Vitorino foi quarteleiro dos Bombeiros Voluntários de Entre-os-Rios e vive na mesma habitação que o acolheu quando passou a ser o responsável por atender os telefonemas de emergência, pela manutenção das, então, poucas viaturas e até pelo serviço de bar dos famosos e já longínquos bailes que se realizavam no salão nobre.
Foi no antigo quartel que o sexagenário criou três filhos, foi galardoado com o Crachá de Ouro e cimentou muitas amizades. Hoje, vive apenas com a companhia de dois carros antigos e com as memórias de um tempo em que, diz, os bombeiros eram mais unidos e fraternos.
Tropa afastou-o da paixão
Nasceu na Portela, Penafiel, e, como quase todos os rapazes da década de 40 do século passado, cedo ingressou no mundo do trabalho. O serviço militar retirou-o de uma carreira na construção civil e, sobretudo, afastou-o de um dos seus maiores prazeres: os Bombeiros Voluntários de Entre-os-Rios. "Em 1967, comecei a frequentar a escola de bombeiros, mas depois fui para a tropa. Mesmo assim, consegui concluir o curso e tornar-me bombeiro de 3ª classe", recorda Vitorino Sousa.
Mobilizado para a Guerra do Ultramar, Moçambique foi o destino de uma viagem que se prolongou por dois anos e meio. No regresso a casa, não esqueceu a paixão pela corporação fundada em 1923. "Gostava de ajudar os outros, mas estar nos bombeiros também era uma forma de passar os tempos livres. Naquele tempo, o quartel era o único local da freguesia que tinha uma televisão", recorda.
Após a Revolução de Abril, Vitorino Sousa voltou a África. Desta vez para trabalhar. Esteve por Angola mais dois anos, mas problemas de saúde forçaram-no a regressar. "Andava a fazer biscates quando o presidente Manuel Alves Moreira me chamou e me propôs ficar como quarteleiro", diz.
Jovem e solteiro, Vitorino passou a viver num "pequeno quarto" do quartel. "Tomava conta das instalações e atendia o telefone com as chamadas de emergência", lembra. "Nessa altura, havia apenas uma ambulância e um carro de incêndio", descreve.
Bombeiro que servia cerveja nos bailes
O tempo, sempre escorreito, trouxe o desenvolvimento da corporação. O número de viaturas foi aumentando e o quadro de voluntários crescendo. As instalações do quartel também foram sendo melhoradas e ampliadas. Um salão nobre foi construído e surgiram os famosos bailes dos bombeiros e as sessões de cinema. Com eles, Vitorino Sousa ganhou uma nova tarefa. "Estava sempre de serviço no bar. Eram tempos engraçados. O pessoal vinha todo para aqui. As ruas ficavam cheias de motorizadas. Mesmo a vender cerveja barata, facturava mais de cem contos [cerca de 500 euros] num fim-de-semana", assegura.
No final de 1977, Vitorino casou, mas continuou como quarteleiro. "Com um pano fiz duas divisões numa sala", diz. Mas a família trouxe novas necessidades, às quais o novo presidente, José da Silva, foi sensível. "Foi ele que mandou fazer mais algumas divisões nos espaços disponíveis", agradece. Três rapazes nasceram no quartel de Entre-os-Rios e por aí cresceram. "A minha mulher estava sempre a chatear-me para mudar-mos de casa, mas eu gostava do que fazia e fui ficando por cá", refere.
Entretanto, a corporação construiu e inaugurou um novo quartel. Os filhos seguiram o seu rumo e a esposa faleceu, mas Vitorino, apesar de ter mudado de local de trabalho, permaneceu na antiga sede. "Nunca ninguém me disse nada e eu continuei a viver aqui", explica.
Hoje, o sexagenário já faz parte do quadro de honra e não se imagina a habitar noutro local. "Se me deixarem, estarei aqui até ao final dos meus dias. Esta sempre foi a minha casa para tudo: para viver, para criar os meus filhos, para trabalhar", frisa, mesmo que a única companhia tenha o formato de dois carros de combate a incêndio com a mesma idade que ele e usados somente nos desfiles da corporação.
História de uma corporação
Fundados em 16 de Junho de 1923, os Bombeiros de Entre-os-Rios iniciaram a sua actividade em instalações provisórias e adquiram em 1930 um edifício próprio que, até data recente, foi a sede da corporação. Esse edifício foi adquirido por vinte e seis mil escudos.
Em 1956, a doação de uma pequena parcela de terreno contígua ao antigo quartel, permitiu uma primeira ampliação do edifício e que se construísse um mais amplo espaço para viaturas, gabinetes para o comando, direcção e um salão onde passaram a realizar-se as Assembleias Gerais e, por longos períodos, quase todos os acontecimentos de carácter cultural (cinema e bailes) da localidade.
Em 1989, foi adquirido um prédio urbano, que depois de adaptado (1990), veio permitir que ali se construísse uma sala de formação, um novo gabinete para o comando, uma camarata apetrechada de cinco camas e um anexo onde passou a instalar-se todo o parque de viaturas de combate a incêndios.
Em 1999, foi comprado um terreno, onde, já a 26 de Março de 2006, foi construído o Quartel Dr. Manuel Alves Moreira.
Texto retirado de http://www.bombeirosentreosrios.com
Fonte: Verdadeiro Olhar