Bombeiros: Os Filhos de um Deus Diferente - VIDA DE BOMBEIRO

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sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Bombeiros: Os Filhos de um Deus Diferente

Associações e corpos de bombeiros sem gente não existem. São as pessoas que os fazem, lhes dão alma, coerência, lógica e razão de ser.

Nas histórias das associações encontramos muita gente. Uns, que passaram fugazmente, fruto do acaso ou das contingências do momento, com mais ou menos empenhamento e resultados. Há outros que, pelo contrário, fizeram da sua passagem, mais ou menos longa, um desígnio de vida, um projecto a que foram dando corpo, com a participação mais ou menos próxima dos que os acompanharam. E os resultados ficam à vista.

A longevidade das associações de bombeiros, e a sua capacidade de vencer as dificuldades, é prova da dedicação de tanta dessa gente, boa, generosa, desinteressada e, nem sempre, valorizada e respeitada.

São pessoas, nem melhores nem piores que as outras. Mas são, sem dúvida, diferentes. Por que aceitaram o desafio e quiseram ser diferentes. Primeiro, pela convicção com que abraçaram o projecto de gerir uma associação. Em segundo, pela vontade de a transformar, a mudar, a melhorar, a inovar em prol do bem comum.

Uns, mais comunicativos, não escondem o gozo interior que isso os anima e incentiva, e exteriorizam-no. Outros, mais reservados, não extravasam tanto o sentir, mas não deixam de demonstrar também força, coragem e capacidade para os diferentes desafios.

Tem actividades profissionais diferentes, são oriundos de grupos sociais igualmente diferentes, há ricos e pobres, académicos e indiferenciados. Tão diferentes quanto iguais. Neste caso, no mesmo desígnio, na mesma determinação de vencer as adversidades e salvaguardar a sustentabilidade das associações a que pertencem.

Todos correm riscos. O seu próprio património pessoal e familiar pode até ser posto em causa. Cada um, como sabe e como pode, faz frente aos riscos, estuda-os, assume-os, enfrenta-os, contorna-os ou até antecipa-os para melhor os poder vencer. E, no final, o resultado pretendido é o mesmo.

Assumem a decisão com coragem, a adversidade também. Acumulam competências, experiência, desenvolvem boas práticas e massa crítica invejável. Que os tornariam, noutras circunstâncias, quem sabe, administradores de grandes empresas ou governantes. Mas não, pretendem manter-se fora da grande cena, fora do palco que lhes daria a visibilidade e lhes granjearia, porventura, até benesses.

Se muitas associações não têm claudicado com as crises vividas ao longo do século, ou mais anos que muitas já levam, é porque se orientam por perspectivas visionárias que permitem, tantas vezes, pensar, fazer e antecipar as mudanças.

Que empresas conseguiriam, como foi o caso da quebra no transporte de doentes, sofrer perdas de receitas a rondar os 40 por cento ou mais e continuar a trabalhar?

A gente de que falo é persistente, difícil de superar na defesa dos interesses das suas associações, logo, das suas comunidades.

Por um lado, são gestores sujeitos às regras que a realidade vai ditando e obrigando. Também no cumprimento rigoroso e na transparência garantida exigida à aplicação do dinheiro de todos. E, por outro lado, sem perder a alma de sempre, a vontade e capacidade de sonhar e de acreditar, que marcou e marca a forma de estar na vida dos bombeiros e das suas associações. Poderemos dizer que é uma escola de vida, uma cultura que toca a todos, que cada um interpreta e concretiza como melhor sabe.

Manuel Madeira Grilo, recentemente falecido, era um dos melhores desse grupo de gente boa e generosa. Chamam- lhes bombeiros sem farda. Manuel Madeira Grilo faleceu aos 83 anos, de certeza em paz. O seu currículo associativo e o empenhamento demonstrado em todas as funções que desempenhou nesse domínio garantem-nos isso.

Foi autarca e dirigente associativo empresarial. Nos bombeiros fez quase tudo. Foi presidente da direção e presidente de assembleia-geral dos Egitanienses, presidente da direção e presidente da assembleia-geral da Federação de Bombeiros da Guarda, conselheiro nacional de bombeiros e, acima de tudo, sempre, um apaixonado pela vida, pelos bombeiros e, ainda, pela missão de pedagogo e escritor, que tão bem também cumpriu.

Nas comemorações do 10 de Junho deste ano, realizadas na Guarda, foi muito justamente distinguido pelo Presidente da República como Oficial da Ordem do Mérito.

Ao contrário do que às vezes se diz, não há filhos de um Deus diferente. Quando se pretende identificar alguém com esse tipo de estatuto, no fundo, pretende-se é, de facto fazer crer que lá se chegou, menos por mérito próprio e, mais, mercê de vantagens ou facilidades de que outros não dispuseram..

De facto, o Deus é o mesmo, chame-se o que se lhe quiser chamar. E todos são filhos de Deus. E as diferenças que os distinguem, em primeiro lugar, diz respeito aos próprios, à vontade, ou não, à coragem, ou não, à determinação, ou não, com que na sua vida abraçam causas e sonhos, lutando denodadamente por eles. O associativismo e o voluntariado cabe aí. E, Madeira Grilo, sem dúvida, foi um dos que soube e quis abraçá-los. E, se assim pensou, assim o fez. Fica-nos o exemplo e a convicção com que defendeu as associações e os bombeiros.

Saibamos honrar a sua memória, antes de mais, continuando a luta, porventura com novas ferramentas, mas sempre com a mesma determinação.


Fonte: Jornal Bombeiros de Portugal


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