Bombeiros com “Fome de Fogo” - VIDA DE BOMBEIRO

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domingo, 19 de outubro de 2014

Bombeiros com “Fome de Fogo”

Oficialmente acabaram os Ecin´s para este ano, os incêndios, esses, foram poucos, muito poucos, mas apesar de tudo isso existem dados que nunca devem ser esquecidos, e o que vos escrevo a seguir é a prova disso mesmo.

Dos oito bombeiros que morreram no ano de 2013 nos incêndios, cinco eram jovens. "Se um actor quer ter o papel principal num filme conhecido, um bombeiro quer estar na frente a combater um incêndio"

Quando em Londres começou a vê-la com más companhias, o pai de Cátia Dias teve medo que a filha entrasse no mundo dos gangues. Por isso, decidiu que era tempo de voltar a Portugal, onde na pacata vila de Carregal do Sal, no distrito de Viseu, ela estaria segura. Dos oito bombeiros que morreram este ano nos incêndios, cinco eram jovens. Cátia tinha 20 anos. Muitos anseiam pelo fogo. É que, se "um actor quer ter o papel principal num filme conhecido, um bombeiro quer estar na frente a combater um incêndio"

Um toque de sirene é o mais comum, é a costumeira chamada para uma urgência em saúde; com dois toques, ainda há esperança, se ficar por ali significa que estão a ser convocados para um acidente, mas, quando ouve os dois toques, o que Tomás Coimbra, de 18 anos, mais deseja é que eles se transformem rapidamente em três e que a sirene pare de tocar. É que quatro toques, no corpo de bombeiros de Alcabideche (cada quartel tem o seu código), significa que há um incêndio urbano, mas os três são uma espécie de jackpot de Verão - o incêndio florestal.

No extremo oposto do incêndio florestal estão "as pataletas". Ninguém sabe dizer de onde vem nem o que significa a palavra usada em alguns quartéis, mas percebe-se pelo tom que usam que o termo é depreciativo. Fazer "as pataletas" é falar do mais rotineiro trabalho dos bombeiros, o transporte não urgente de doentes (por exemplo, levando-os de casa para a hemodiálise), que é também a actividade que lhes ocupa a maioria do tempo durante todo o ano.

Não é seguramente por causa das "pataletas" que, em contraciclo contra o envelhecimento crescente da população portuguesa, os quartéis de bombeiros se têm conseguido rejuvenescer: quase metade (45%) dos bombeiros portugueses têm entre 18 e 35 anos. No total, cerca de 85% são voluntários. Qual é então a atracção para os jovens?

Desde logo, o risco. "Cada situação para que saímos tem uma adrenalina diferente", explica Francisco Dias, ponderado nos seus 23 anos e bombeiro da corporação de Alcabideche (distrito de Cascais). Ele, o mais velho do grupo de amigos bombeiros da mesma corporação, prefere ser chamado para fazer urgências em saúde mas, entre os dois amigos de 18 anos (a idade mínima para se ser bombeiro), está isolado. No topo das preferências parecem estar os incêndios.

Tomás Coimbra diz que quando chega ao Verão está sempre ansioso por ouvir os três toques e que não é só ele. Quando se percebe que é mesmo uma chamada para incêndio florestal "desata tudo a correr e muitos, se pudessem, até iam com os seus próprios carros para o local". Digamos que, se "um actor quer ter o papel principal num filme conhecido, um bombeiro quer estar na frente a combater um incêndio, quer ser o agulheta". Numa equipa de cinco elementos, o agulheta é aquele que está a empunhar a mangueira, de caras para o fogo, explica.

"Eu não sabia nada de urgências, entrei para os bombeiros para combater o inimigo número um: o fogo", afirma Diogo Borba, de 18 anos. E quando se referem ao fogo não estão a falar de incêndios urbanos em que, sim, até pode haver uma botija de gás que se desconheça, que possa causar uma explosão, mas, "em princípio, o fogo não vai sair dali". No incêndio florestal, não se tem a certeza de que o fogo vai ficar circunscrito, "o vento pode, do nada, mudar" e deixá-los cercados. E essa imprevisibilidade que representa o maior perigo - na definição de cartilha que aprendem na formação obrigatória, um incêndio florestal é definido como "uma combustão livre, não limitada no tempo e no espaço" - é um dos ingredientes da "adrenalina" especial do incêndio florestal.

"Para os mais velhos, os incêndios já não são nada de mais. É uma rotina", diz Diogo. Para os jovens como ele, não. No Verão, primeiro instala-se a "ânsia de ir para o primeiro fogo do ano", depois "a sede de fogo", continua Diogo. Um incêndio "é o desconhecido", diz Francisco Silva, bombeiro de 17 anos que ainda não teve idade para sair.

Por causa dos incêndios, o Verão é também "a única altura do ano em que [os bombeiros] são reconhecidos. Durante três meses por ano somos falados dia sim, dia sim, no resto do ano só quando há inundações ou cai um placard", critica Francisco Dias.

Partir para os incêndios

Os bombeiros do Estoril ficam próximos do Casino, não muito longe do mar, numa zona de casas de ar apalaçado. Na área de abrangência destes bombeiros, o que há para arder em termos de zona florestal é ínfimo, são dez hectares, incluindo um retalho de arvoredo junto ao campo de golfe.

Quem é veterano, como o comandante da corporação de Bombeiros do Estoril, Carlos Coelho, chama à razão, lembra que os incêndios são uma actividade sazonal que lhes ocupa meros 4% do tempo, mesmo no Verão não chegam a 10% das ocorrências. Surgem no final da lista, a seguir ao transporte não urgente de doentes, às emergências pré-hospitalares, aos acidentes e aos incêndios urbanos.

Precisamente porque são uma pequeníssima parte do seu trabalho, o comandante admite que existe "uma vontade grande de sair", "uma fome de fogo", como lhe chama o chefe Bruno Felício, especialmente junto dos mais jovens. Qual é o apelo? "Tirando a destruição, um incêndio florestal é dos espectáculos mais bonitos que a natureza nos oferece. Hipnotiza, fica-se estupefacto com as dimensões e a beleza de estar frente a frente, num cenário daqueles." "Também nos testamos a nós, é uma guerra que temos, que queremos vencer."

Bernardo Figueiredo, o bombeiro de 23 anos que morreu depois de ficar ferido na serra do Caramulo em Agosto, já não era estreante nestas andanças. Noutros anos, tinha estado em fogos na Guarda, Viana do Castelo e Vila Real, "tinha feito pelo menos três épocas", diz Bruno Felício. Estava de férias, era estudante de Engenharia de Telecomunicações e Informática no Instituto Superior Técnico de Lisboa, mas continuava a fazer o seu piquete semanal de 12 horas e os domingos que lhes cabiam como bombeiro voluntário. Já tinha feito a sua escala da semana, não estava de serviço mas nesse dia passou pelo quartel e ofereceu-se para ir render a equipa do Estoril que estava no incêndio do Caramulo.

Ele também queria ir...




Texto in Publico

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