Durante 7 preenchidos e vividos anos tive o privilĂ©gio de conviver com os Sapadores Bombeiros da cidade do Porto. Homens Ășnicos que eu julgava fazerem parte de uma utopia impossĂvel de encontrar.
O bombeiro tem algo de mĂtico que o transforma em arauto de uma especial Ă©tica da existĂȘncia. Por alguma razĂŁo os bombeiros sĂŁo o grupo profissional em quem os Portugueses mais confiam, Ă frente de mĂ©dicos e professores.
O sentido de missĂŁo destes homens Ă© inigualĂĄvel e deve merecer-nos um reverencial respeito que sĂł se outorga a herĂłis, pois abnegação e heroĂsmo sĂŁo os valores estruturantes da profissĂŁo de bombeiro.
A minha partilha existencial com estes homens foi total e completa enriquecendo-me ontologicamente na assunção de valores Ășnicos de convivialidade.
Como Professor transmiti-lhes o melhor da minha ciĂȘncia, como Homem dei-lhes o melhor da minha alma. NĂŁo porque fosse inicialmente disposto a uma entrega tĂŁo absoluta mas porque eles me obrigaram a tal. Quem entra naquela casa fica tomado por um espĂrito de corpo de tal forma avassalador que rapidamente deixa Ă entrada as pulsĂ”es individualistas.
Os bombeiros profissionais que protegem a cidade do Porto colocam a força do colectivo Ă frente das tensĂ”es egoĂstas, o que lhes permite um permanente estado de prontidĂŁo que muitas vezes permite ultrapassar os constrangimentos materiais e humanos que sĂŁo apanĂĄgio deste tipo de instituiçÔes.
Nesses anos de profunda vivĂȘncia humana vi vĂĄrios morrer em serviço, outros feridos com gravidade, carne e ossos desfeitos, porque nunca regateiam a dĂĄdiva das suas vidas cumprindo os ditames mais profundos do seu juramento profissional.
Por isso os admiro e tenho neles muitos dos meus melhores amigos.
Lembro a minha primeira recruta – os “Iogurtes” (adoptaram este alimento como sobremesa preferida apĂłs refeiçÔes e foram de imediato assim apodados pelos mais velhos), que me receberam com um misto de dĂșvida e interrogação jĂĄ com o processo de recruta a decorrer. Revi neles os meus sonhos de menino e vi-lhes crescer, a par da excelĂȘncia profissional, um elevado espĂrito de altruĂsmo que Ă© o garante Ă©tico da profissĂŁo de bombeiro.
Recompensaram-me em amizade e gratidĂŁo o que lhes outorguei em empenho profissional. Poucas vezes senti tĂŁo forte o sentido de utilidade social da minha profissĂŁo de professor como com aqueles homens.
A segunda recruta foi denominada os “Voltaren”, pois era a mesinha que eu lhes recomendava quando as dores musculares e articulares ultrapassavam o limite do razoĂĄvel. Treinar para ser bombeiro Ă© duro mas sĂł assim se consegue a destreza profissional que se lhes exige a cada momento. TambĂ©m estes, rapidamente captaram o espĂrito da casa e se transformaram em excelentes profissionais que honram a cidade.
A terceira recruta ficou naturalmente classificada como os “Vitaminas”, pois com eles realizei um estudo acerca dos efeitos de uma suplementação vitamĂnica especĂfica em alguns parĂąmetros imunolĂłgicos. Mais novos mas nem por isso menos empenhados em crescer como homens e em dignidade profissional.
Cada recruta Ă© o remake de um filme que tem a coragem, Ă©tica e responsabilidade como guiĂŁo. NĂŁo hĂĄ tempo para desistĂȘncias e, superando dores, lesĂ”es e insuficiĂȘncias, muitas vezes em sacrifĂcio, “constroem-se” profissionais que elevam bem alto o que de mais humano existe no homem.
A ética do servir é apanågio de poucos. Poucos, como os bombeiros, conseguem materializar em atos quotidianos a suprema alegria da dådiva. Por isso, lhes quero agradecer as liçÔes de vida e humanidade que me deram nos anos em que tive a honra de fazer parte deles.
Sou professor por amor e devoção; serei sempre bombeiro por amizade e gratidão.
Por: José Augusto Rodrigues dos Santos
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