Decidi Passar pelo Fogo, para Salvar uma Casa - VIDA DE BOMBEIRO

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sábado, 5 de abril de 2014

Decidi Passar pelo Fogo, para Salvar uma Casa

“O meu nome é Lucínia Viana, tenho 31 anos. Sou Oficial Bombeira de 2ª Classe na Corporação dos Bombeiros Voluntários de Odemira.”

Sou filha de pais bombeiros. Vivo desde os meus 2 anos, numa casa pegada aos Bombeiros V. de Odemira, onde o meu pai na altura era o Bombeiro quarteleiro. Sempre conheci o meu pai a dedicar mais tempo aos Bombeiros do que à família. 

Tive uma infância dura. Durante muitos anos tive ódio aos Bombeiros, pois fazia anos e o meu pai não estava presente por causa dos bombeiros, fazia um teatro na escola e o meu pai não estava por causa dos bombeiros, era natal e tinha que passar nos bombeiros se quisesse passá-lo com ele. 

Durante anos foi muito duro e eu não convivia bem com o facto de ter que dividir o meu pai com os bombeiros. Entretanto a minha mãe também foi para os bombeiros e ainda hoje lá permanece. Nessa altura, mais crescida, fui percebendo melhor o que os motivava. 

Um dia percebi que só compreenderia o amor que eles sentiam pelos bombeiros se também eu fosse para os bombeiros. 

Aos 14 anos tentei entrar, mas o meu pai inventou uma lei que dizia que as raparigas só poderiam entrar aos 17 anos com o objectivo de eu desistir até lá. No dia em que fiz 17 anos, já tinha toda a documentação pronta... e hoje lá estou eu, a viver um amor como nunca tinha vivido até a data. 

Hoje percebo os meus pais melhor que ninguém, e hoje agradeço o facto de ter tido uma infância dura, que me fez crescer e dar valor a tudo o que tenho. 

Vivo os Bombeiros intensamente, amo a vida de Bombeiro, não me vejo noutra profissão. 

O meu pai ensinou-me que quem faz o que gosta não precisa de trabalhar um único dia, e isso é a pura da realidade: não vou para o trabalho todos os dias, vou para um dos meus amores.

Confesso que não é fácil, nem o meu percurso pelos bombeiros o tem sido. Como sempre fui muito lutadora e muito dedicada, levei muitos anos com o rótulo de que só tinha a formação que tinha por ser filha de quem era... mas infelizmente ser filha de quem sou, só fez com que tivesse de provar o dobro do que os outros provaram.

O meu maior ídolo é o meu pai, que chegou a comandante depois de muita formação e hoje com 56 anos continua a fazer toda a formação que se disponibiliza na escola nacional de bombeiros. Mas também sofre, e muito, e é rara a entrevista que dá, ou conversa que tenha, que não verta uma lágrima por tudo o que já passou nos bombeiros.

Habituei-me muito cedo a ir para as ocorrências com o meu pai. Já passámos muito os dois... 

Recordo-me de situações passadas, principalmente em incêndios, pois são as que mais duram e são mais complexas. Desde estarmos cercados por incêndios, cercados por uma cheia, passarmos três dias num incêndio fora da nossa zona onde ninguém nos passava cartão e a única coisa que comemos foi um pequeno almoço oferecido por uma senhora. Desde estarmos num incêndio em Tavira e o posto de comando durante um dia inteiro pouca atenção nos dar e termos que trabalhar "à nossa sorte". 

O meu pai sempre foi de arriscar a sua vida pelos outros. E eu habituei-me a isso, pois muitas vezes não era só a vida dele em risco, também era a minha. Sempre tive a ideia de que estando com o meu pai nada de mal me acontece, pois ele existe para me proteger, e só no ano passado é que tive a perfeita noção de que o meu pai não é DEUS e que mesmo estando com ele nem sempre estou protegida. 

No ano passado decidi passar pelo fogo para tentar salvar uma casa, e só aí vi no que me tinha metido. Nesse momento parece que deus me enviou uma mensagem a dizer:

"Corres perigo, e não és só tu. Se continuares, a tua mãe ficará sozinha e o teu marido com quem te casaste há tão pouco tempo. A tua geração terminará aqui". Fiz inversão de marcha, bati com o carro e depois finalmente consegui meter-me a salvo. 

Nessa noite, enquanto o meu pai descansou vinte minutos, eu meditei sobre o que me tinha acontecido. Nessa manhã liguei à minha mãe e não parei de chorar. 


Testemunho de Lucínia Viana, Oficial Bombeira de 2ª Classe na Corporação dos Bombeiros Voluntários de Odemira. 



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