Corria o ano de 1999, neste momento não consigo precisar o dia exacto, mas sei que era Sábado, e estava a chegar ao meio dia.
Tinha passado a maior parte do tempo na limpeza de viaturas, e estava-me a preparar para ir almoçar, quando avisto um carro a grande velocidade vindo do lado de Castelo de Paiva com os quatro piscas ligados. Deduzi que algo de grave poderia estar a chegar.
Rapidamente o carro chegou junto de nós, e lá dentro uma senhora de meia idade trazia no colo um menino de dois anos que se tinha queimado com água a ferver, rapidamente eu e o meu tio Adriano tratamos de o colocar dentro de uma ambulância.
Posso dizer-vos que hoje ao escrever isto, parece que o consigo ouvir como naquele dia, não imaginam o que aquela criança estava a sofrer, tinha queimaduras de 1º e 2º grau desde a zona do abdómen até aos pés.
Pelo que soube pela avó, esta teria uma cafeteira com água ao lume, e por algum motivo que nem sequer percebi, terá virado por cima do menino.
Os gritos de dor daquela criança eram de cortar a respiração, as minhas mãos tremiam como se estivesse num dia de Inverno, pedi ao meu tio que deitasse o menino sobre uma manta térmica, enquanto fui buscar frascos de soro para junto de mim.
A avó do menino já lhe tinha retirado toda a roupa o que me facilitou o trabalho, coloquei 8 frascos de soro perto de mim, e sentei-me na maca com uma perna para cada lado, e disse ao meu tio que poderíamos arrancar em direcção ao hospital.
Posso dizer-vos que aquela criança desde que comecei a deitar-lhe soro sobre as queimaduras, quase não chorou, e acreditem que as queimaduras doem muito. A viagem além de ser relativamente curta (cerca de 12 minutos), pareceu-me uma eternidade, eu baloiçava na maca a cada curva que fazíamos, mas naquele momento o meu objectivo era minimizar as dores daquele menino, e fazer tudo para que ficasse com o mínimo de lesões no futuro. Ia sentindo o soro que administrava no menino a escorrer-me pelas pernas, mas não estava preocupado com isso, pois estava a conseguir minimizar as dores do menino. A avó num certo momento já chorava mais que ele, e tive que lhe pedir que se acalmasse por favor e que fosse falando para o neto, pois era essencial que ele sentisse calma em seu redor.
Quem conhece a estrada que liga Entre-os-Rios a Penafiel, sabe que esta é rica em curvas, e com o decorrer da viagem fui começando a sentir o estômago às voltas, mas uma vez mais tentei abstrai-me disso, o menino praticamente não chorava e isso para mim era o suficiente para me sentir firme na minha missão.
Foram minutos que pareceram horas, demoramos quase quinze minutos a chegar ao hospital de Penafiel, durante este percurso consegui que o menino estabilizasse, consegui que as dores não fossem muitas, e consegui com toda a certeza minimizar os danos para o futuro. Gastei nove frascos de soro, mas valeu a pena.
Finalmente chegávamos ao hospital, o meu tio abriu as portas de trás e ficou espantado quando viu a "inundação" que eu tinha na ambulância, eu estava completamente ensopado, mas sentia dentro de mim um sentimento de missão cumprida. Enquanto o meu tio transportava a maca para dentro do hospital, eu continuava aplicar soro nas queimaduras do menino para que este continuasse o mais calmo possível e com o mínimo de dores.
Custou-me imenso depois que o entreguei na urgência, ouvi-lo novamente a chorar com dores, eu sabia que isso ia acontecer pois as equipas médicas tinham que avaliar a gravidade, a avó chegou a questionar-me, "mas você consegui que ele viesse o tempo todo sem chorar, e agora que está no hospital volta a sofrer?". Tive que explicar à Sra. que isto seria de esperar mas que rapidamente iriam tratar dele.
Já estava a entrar para a ambulância quando um auxiliar me veio chamar, sinceramente não fazia ideia do que se passava, disse-me que o médico que estava a tratar o menino queria falar comigo, e levou-me até junto dele, agora eram as pernas que me tremiam, não por estarem completamente molhadas pelo soro, mas sim de estar a pensar que poderia ter feito alguma coisa mal, mas eu tinha a certeza que tinha feito tudo como mandam as "regras".
Já na sala das pequenas cirurgias encontrei o menino já meio anestesiado por causa das dores, e então o Dr. Abílio disse-me, "então foi você que trouxe este lindo menino, deixe que lhe dê os parabéns, fez um bom trabalho, muito bom trabalho", acreditem aquelas palavras foram como se me tivessem dado uma injecção de adrenalina, o nosso trabalho foi reconhecido pelo médico de serviço. Para meu espanto quando o Dr. Abílio acabou de dizer aquilo, o pequeno menino deitado na maca, já mais a dormir do que acordado conseguiu dizer "bigado". Nem sei o que vos dizer sobre aquele momento, foi o melhor agradecimento que alguém pode receber, uma criança de dois anos reconhece que alguém lhe fez bem.
Tenho pena de hoje não me lembrar do nome daquele menino, como também tenho muita pena de nunca mais ter conseguido saber nada sobre ele, de como ficou, se tudo correu bem, e de como estará hoje. Pode ser que alguém ao ler isto o conheça, pode ser que até ele próprio por algum motivo possa ler isto, e quem sabe passados todos estes anos fique a saber alguma coisa dele, tenho esperança que sim. Por vezes dizem-nos que temos que seguir em frente e tentar esquecer o que fica para trás, mas para mim, quando se trata de crianças torna-se muito mais complicado. As crianças são o futuro, são o melhor do mundo, e devemos todos nós protege-las, pois também nós já fomos crianças.
Quero deixar-vos agora alguns alertas, todos os dias em nossas casas existem 1001 coisas que podem provocar queimaduras nas nossas crianças, desde o fogão à simples tomada eléctrica, tudo isto é um "carrossel" de perigos à espreita.
É obrigação de todos nós zelar pelo bem estar das nossas crianças, e por isso mesmo temos de ter cuidados redobrados. Em nossas casas devemos tomar providências com algumas coisas para que o pior não aconteça, de seguida deixo-vos algumas dicas básicas para que se possam evitar os acidentes.
E não se esqueçam de uma coisa muito importante, em todas as queimaduras devemos colocar única e simplesmente água abundante, nunca coloquem manteiga ou pasta dos dentes, como já vi fazerem, coloquem apenas água e mais água e nada mais.
Vou começar pelo Sol, parece inofensivo mas pode provocar queimaduras muito graves, por isso quando saírem de casa, (e não precisa de ser para a praia), coloquem protector solar nos vossos filhos, a pele deles vai agradecer.
Agora em relação ao fogão que todos temos em casa, tenham cuidado ao deixarem as crianças brincar junto deles, pois o pior pode acontecer a qualquer momento, e deixo-vos também um pequeno pormenor de como colocarem as asas dos tachos (viradas para dentro e não para fora).
Quando passam a ferro não se esqueçam de o colocar em sitio que as crianças não lhe cheguem, afinal de contas o "anjo da guarda" pode não estar disponível.
Finalmente falo-vos das tomadas eléctricas, um grande perigo dentro das nossas casas para as crianças, não se esqueçam que existem umas protecções para colocar na tomada, lembrem-se que mais vale prevenir do que remediar, afinal de contas é a vida dos nossos filhos que está em causa.
Quando quisermos perceber os perigos que temos em nossas casas para as crianças, é muito fácil de fazer uma avaliação sobre os mesmos, basta que nos coloquemos à altura deles, ou seja baixa-mo-nos e tentámos pensar como eles, e depois tudo o que entendermos que os poderá colocar em perigo, só temos que mudar de sitio ou colocar em lugar que eles não cheguem. Acreditem, não há coisa pior do que ver uma criança a sofrer,e então quando se trata dos nossos filhos, ainda nos custa muito mais.
Aos mais sensíveis, peço que me perdoem, mas de seguida deixo-vos umas imagens um pouco dolorosas, mas espero que estas sirvam para chamar a atenção dos mais distraídos, para que pelo menos coisas destas não continuem a acontecer às crianças, é que muitas das vezes acontecem por descuido dos mais velhos.
Façam tudo o que estiver ao vosso alcance para que isto não aconteça, porque se há alguém que não tem culpa são as crianças, as queimaduras provocam dores terríveis, dores essas que numa criança podem levar à morte em muito pouco tempo.
Olá boa tarde José Filipe, mais um testemunho notável do vosso trabalho... Conheço o Dr. Abilio e realmente é uma pessoa que valoriza o bom serviço... Vou partilhar este teu post como tenho muitos clientes de Castelo de Paiva pode ser que chegue ao jovem em questão... Bom trabalho...
ResponderEliminarManuela
Obrigado Manuela, fica a promessa que se eu encontrar alguém da família deste menino, eu escreverei aqui todos os pormenores.
EliminarMais uma vez obrigado.
Bom, que posso eu dizer, eu fui "vitima" enquanto criança de queimaduras por óleo a ferver, claro esta, que fui mexer onde n devia (fogão) e provavelmente umas das regras, os adultos esqueceram-se... O meu anjo da guarda estava presente porque aconteceu de inverno e devido a quantidade de roupa, as queimaduras não foram extensas. Concordo com os cuidados, porque muitas vezes, somos nos adultos distraídos e as coisas acontecem... A história é realmente fantástica e então o pormenor da criança dizer obrigado é fantástico... Parabens pela iniciativa do Blog, nao só por demonstrar um pouco o dia a dia dos BV, mas tb por dar estas dicas q sao simples mas puramente importantes. abraço
ResponderEliminarRicardo Costa
Obrigado amigo directamente da Bélgica mas num bom português.
EliminarAbraço.