Vidas ceifadas, sobreviventes com mazelas cravadas no corpo para toda a vida e famílias enlutadas e revoltadas mancham a história negra da EN 106 (Penafiel/Entre-os-Rios), das vias mais perigosas da região. Em quatro anos houve 537 acidentes.
O quotidiano desta estrada é feito de rectas desafiadoras à velocidade, de filas de trânsito em passo de caracol e de automobilistas com os nervos à flor da pele. E a tudo isto juntam-se pessoas incautas que atravessam fora das passadeiras ou simplesmente atravessam a rua sem medir o perigo evidente. Nos últimos quatro anos registaram-se 235 vitimas de acidentes (em média, há uma a cada 2,5 dias) sendo que destas 204 foram feridos ligeiros, 24 feridos graves e sete vitimas mortais.
Sempre que ocorre um acidente reaviva-se a revolta popular, escondida ao longo de 13 kilómetros de estrada. Saltam para a rua memórias de dor e soltam-se palavras de ódio, vociferadas por quem tem o coração dilacerado. Porque há sempre alguém que perdeu um familiar, um amigo ou um vizinho entre chapas retorcidas ou por atropelamento.
Há dias, ao inicio da tarde, uma mulher de 83 anos foi atropelada na EN 106, junto à Ponte Nova, na freguesia de Rans. Sofreu ferimentos ligeiros e foi assistida no Hospital Padre Américo do Vale do Sousa.
De novo ecoaram gritos de revolta de uma população farta de tantos acidentes.
Há pouco mais de uma década, quase no mesmo local onde a idosa foi atropelada, Diana Cristina Rodrigues, na altura com dez anos, esperava boleia para a escola, quando foi colhida por um camião desgovernado. Esteve hospitalizada mais de um mês, sofreu a amputação da perna direita. Diana nunca mais esqueceu o dia 2 de Janeiro. Hoje com 21 anos, a estudar em Coimbra, a jovem continua em processo de reabilitação e teve de descobrir a maneira certa de funcionar com uma prótese.
A 26 de Janeiro de 2011 na zona de Cabeça Santa, um homem de 64 anos conduzia um pequeno automóvel quando, junto ao café Alegria, foi colhido por um carro que seguia em sentido contrário. A vitima esteve quase um mês em coma.
Neste local, a 15 de Fevereiro de 1991, Cláudia Ferreira, a poucos dias de fazer 16 anos, foi atropelada mortalmente na passadeira. A menina regressava a casa e atravessou a passadeira, em frente à residência onde morava, sendo colhida por um automóvel. Na outra berma da estrada estava o pai da jovem, que incrédulo assistiu a tudo.
Mais uma vez a população local levantou o dedo acusador contra a falta de segurança: faltam passeios, passadeiras visíveis, sinalização adequada e lombas para travar a velocidade disparatada.
Não há vivalma que desconheça a promessa politica do IC-35, um itinerário complementar anunciado há mais de dez anos, pouco depois da queda da ponte de Entre-os-Rios. A via alternativa à EN 106 está desenhada para ligar Penafiel a Entre-os-Rios e afastar da estrada nacional o trânsito intenso de camiões carregados.
Só que o IC-35 continua na gaveta, sem sinais de avançar, apesar dos sucessivos protestos.
"Multiplicam-se as petições a exigir o IC-35"
Sem respostas sobre a construção do IC-35, o presidente da Câmara de Penafiel, Dr. Alberto Santos, promoveu uma petição publica para reclamar a construção da via alternativa à EN 106, que não tem capacidade para os actuais cerca de 28 mil utilizadores diários.
A petição, com quase mil assinaturas, reclama que a Assembleia da República volte a discutir a presente problemática e recomende ao Governo a construção imediata do Ic 35, no troço Penafiel/Entre-os-Rios, utilizando, se não houver fundos nacionais, os fundos comunitários ainda disponíveis.
"Era a nossa única filha, a nossa princesa"
Marina Isabel Silva Moreira, de 16 anos, foi mais uma vitima mortal da EN 106. Acabara de sair de uma clinica, acompanhada por uma colega da mesma idade. Ao final da tarde de 29 de Outubro de 2010, as duas jovens atravessaram a EN 106 para depositar um saco de lixo no contentor localizado na outra margem da estrada, em S. Miguel de Paredes.
Ao ver as jovens a atravessar, um automobilista parou, mas um segundo carro fez a ultrapassagem e atropelou-as. Marina entrou em morte cerebral, sendo declarado o óbito a 12 de Novembro.
Germano Silva Moreira e Isaura Silva Lopes, pais de Marina, não conseguem superar a dor.
"Era a nossa única filha, a nossa princesa... resta-me os meus outros dois filhos para nos consolar",
desabafa Isaura Lopes. Da casa onde moram, os pais de Marina avistam um troço da EN 106. "Em meia dúzia de anos já vimos cinco mortos nesta estrada", conta o pai de Marina.
A colega de Marina, Inês Sousa, sobreviveu, mas com muitas mazelas.
"Era o sustento da casa. Fazia o papel de pai"
José Luís Ferreira Pereira tinha 24 anos quando morreu ao volante de uma moto. Mais uma vitima num acidente na estrada nacional cuja melhoria é reclamada ano após ano. O acidente aconteceu há mais de dez anos, mas há memorias que não se apagam, a dor permanece. E com José Luís morreu um amigo, de 19 anos, de Galegos, a quem o motociclista dera boleia.
Foi a 5 de Julho de 2002, ao descer a recta das "Sete Pedras", em direcção a Rans (Penafiel), José Luís não conseguiu escapar a umas obras que estavam em curso no pavimento, descontrolou-se e embateu contra um automóvel que seguia em sentido contrario. Os dois amigos foram projectados com muita violência.
"Quem morre não está cá para se defender. Ele era o sustento da casa, fazia o papel de pai", recorda a mãe. "Perdi o meu marido com 40 anos e o meu filho sustentava a casa. Fiquei apenas com o meu filho mais novo e nunca recebi um tostão", desabafa.
"Aprendi a escrever com a mão esquerda"
Passaram quase nove anos, mas Diogo Sousa, agora com 18 anos, ainda hoje recorda com dor o dia 28 de Junho de 2004. "É impossível esquecer". O adolescente tinha ido nadar para a piscina da casa de uma tia e no regresso ao lar foi atropelado, mas ficou com mazelas. Marcas para o resto da vida e que lhe condicionam os movimentos. O jovem tem a mão direita quase paralisada e ainda treme muito.
"Aprendi a escrever com a mão esquerda", conta o Diogo.
Ainda hoje o jovem se sujeita a tratamentos de fisioterapia, na esperança de corrigir as mazelas deixadas pelo acidente que sofreu. Revoltada e amargurada, a mãe do adolescente, Filomena Martins, é peremptória: "Se tivesse ardido a casa, eu não sofria tanto".
"Uma pessoa nunca mais tem sossego"
Maria da Conceição e António Cunha perderam o filho, com apenas 15 anos, num acidente em Cabeça Santa. Mais um atropelamento de consequências fatais numa passadeira.
Mais um adolescente morto.
Foi ao final da tarde do dia 3 de Janeiro de 2002. Luís Miguel acabara de sair do autocarro, vindo da escola de Penafiel, onde frequentava o 10º ano. O jovem atravessou a estrada em direcção a casa, mas um carro desgovernado atropelou-o na passadeira e projectou-o contra o abrigo de passageiros. O embate foi muito violento, e os ferimentos foram muito graves. Após assistência médica no local, Luís foi transportado para o Hospital de S. João no Porto. O jovem viria a falecer naquela unidade sete dias depois.
"Oxalá que nunca mais se repita um acidente destes nesta estrada. A vida de uma pessoa nunca mais tem sossego", afirma ainda desolada a mãe, Maria Conceição.
A verdade é que este acidentes continuam a acontecer quase todos os dias nesta estrada, hoje decidi abordar este tema, porque acho que está na hora de dizer "Basta", isto não pode continuar.
As pessoas continuam a perder os seus familiares, nós continuamos a ver e a viver o que ninguém quer nem ver, nem viver.
Deixo aqui o alerta a todos, sem especificar ao pormenor nem condutores, nem peões, porque todos temos os nosso direitos e as nossas obrigações, é só uma questão de sermos civilizados, e termos todos os cuidados necessários na estrada. Esta via por si só, já é bastante perigosa, por isso cabe-nos a todos nós que nela transitamos, a obrigação de evitar que mais vidas se percam.
Muitas foram as crianças e adolescentes que perderam a vida, e infelizmente, muitas foram as que tive que socorrer sem quase nada poder fazer, e acreditem que custa imenso perder uma vida, e muito mais custa quando se trata de uma criança, por isso vamos todos fazer com que toda esta mortalidade acabe, ou pelo menos tentar reduzir ao máximo, que estes acidentes aconteçam. Aos nossos autarcas, uma vez mais deixo um pedido, as nossas passadeiras precisam de sinalização, e eu sei porque me dei ao cuidado de me informar, que não fica assim tão caro um investimento destes, e o trabalho até é relativamente fácil de se fazer.
Afinal de contas "amanhã", podemos ser nós ou um familiar nosso a ficar estendido no chão, só porque um condutor não nos viu na passadeira.
Pensem nisso, porque uma vida humana não tem preço.
PARCEIROS
Boa noite Filipe
ResponderEliminarEste relato é com certeza muito importante, trata-se de uma realidade que há muito devia ter sido corrigida e a quem faltam culpados. Não se fala muito de responsabilidade politica, infelizmente vivemos neste pais onde se deixa morrer crianças para se poucar alguns trocos. Tem que ser crime! Será que ninguem ainda investigou o que se passa a fundo?
Mafalda
É verdade Mafalda os culpados safam-se sempre, e as mortes continuam acontecer.
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