Pouco passava das 2 da manhã quando a sirene começou a tocar, o seu toque fazia prever o pior, era o toque de incêndio urbano.
Quando cheguei ao quartel o chefe Vitorino disse-nos que tinha caído um carro ao rio no cais do Torrão, para nos deslocarmos para lá o mais rápido possível. Na rápida viagem viagem que fizemos até ao local só consegui dar por mim a pensar, " se estiver alguém dentro do carro já pouco ou nada podemos fazer", o que ninguém imaginava, é o que íamos encontrar.
Quando chegamos ao local encontramos um casal de jovens completamente em pânico, que quase não conseguiam falar dada a aflição, passados alguns segundos conseguimos perceber que dentro do carro poderiam estar crianças, não sei porquê as minhas pernas começaram a tremer, só de imaginar que poderiam estar crianças dentro do carro todo o meu corpo estremecia.
Foram chegando mais viaturas ao local com mais colegas meus, e ninguém queria acreditar no que poderia estar a acontecer.
Rapidamente se chegou à conclusão que nada podíamos fazer dado não termos uma equipa de mergulho, e então foi pedido apoio aos sapadores do Porto, e enquanto aguardávamos pela sua chegada, íamos ouvindo relatos do casal que ali estava, e fomos sabendo que quando ali chegaram por volta da 1h00 da manhã aquele carro já ali se encontrava e que até nem se aproximaram muito pensando que seria outro casal de namorados, e só se aperceberam do que se estava a passar quando ouviram o barulho do carro a lançar-se à agua.
Passado algum tempo chegaram os mergulhadores e começaram-se a preparar para mergulhar na agua gelada do rio Douro.
Por volta das 6 horas da manhã chegava a confirmação do pior, havia três corpos dentro do carro, passados alguns minutos os mergulhadores "entregavam-nos" o corpo de um menino que aparentava mais ou menos sete, oito anos.
Parece que ainda o estou a ver ali imóvel, deitado na nossa maca de pijaminha vestido, muito provavelmente foi tirado da cama já a dormir, esta imagem ainda hoje permanece "cravada" na minha memoria. Passada pouco mais de meia hora foi tirada do carro a mãe, e muito sinceramente não queiram saber o sentimento de revolta que tomou conta de mim, fiz questão de a olhar na cara , tentar perceber o que leva uma mãe a fazer tal coisa aos seus próprios filhos, mas olhava para ela e só conseguia sentir raiva, nada mais.
Eram quase 7h30 quando os mergulhadores tiraram a menina para fora da agua, também ela estava de pijama, o sentimento era terrível entre todos nós, perguntávamos uns aos outros como seria possível acontecer tal coisa, como seria possível haver alguém que fizesse aquilo aos próprios filhos.
Foi muito difícil para todos nós gerir todas aquelas emoções, pairava nos rostos de todos um sentimento de revolta e de tristeza, não é suposto uma mãe matar os filhos, perdoem-me a sinceridade mas se ela se queira matar que o fizesse sozinha pois os filhos não tinham qualquer culpa dos problemas dela.
Ver aqueles dois anjinhos ali deitados lado a lado nas nossas macas foi de uma brutalidade tal, que só por quem passou por algo semelhante sabe do que falo.
Não consigo entender o que se passará na cabeça de uma pessoa para tirar os filhos da cama, de pijama, e vir desde Paredes até aqui para fazer uma barbaridade destas, as crianças tinham sete e dez anos, e agora pergunto eu, que culpa tinham elas dos problemas da mãe?
E que ninguém me venha dizer que são horas do diabo conforme diziam lá no dia, porque esta mulher fez uma viagem de quase 20 km, com os filhos no banco de trás, deu-se ao cuidado de os trazer de pijama, e de certeza que alguma coisa lhes deve ter dito para os tirar da cama aquela hora, por isso ela sabia muito bem o que estava decidida a fazer, e daí a minha revolta, porque uma mãe que faz isto aos filhos não é digna de ser chamada de mãe, para mim não passa de um monstro.
Não sei se algum familiar estará a ver este post, mas se estiver espero que não me condenem por estas palavras, mas foi o que senti na hora e naquele dia, mas hoje o meu sentimento é o mesmo pois não consigo suportar a ideia que existem pessoas que fazem mal às crianças, e muito menos suporto a ideia que uma mãe possa fazer isto, para mim é completamente inconcebível uma coisa destas.
Na altura muita gente dizia que tudo acontecia no rio Douro, e que tudo vinha lá parar, que se calhar os espíritos dos que caíram na ponte chamavam as pessoas para ali, meus amigos o rio não tem culpa, muito menos as pessoas que já partiram deste mundo, quem tem culpa são as pessoas que cometem estas loucuras, e que nos colocam a pensar em quantas mais pessoas andarão por aí com estas ideias na cabeça, se calhar algumas até são nossas amigas e falam connosco normalmente no dia a dia, para essas pessoas deixem que vos diga uma coisa, antes de fazerem o que quer que seja, pensem duas vezes antes de o fazer, lembrem-se que este mundo é uma passagem e nós somos uns meros visitantes, por isso aproveitem a vida enquanto cá estamos.
Muito se escreveu na altura sobre esta situação, sobre os motivos para tal coisa acontecer, penso que nunca se chegará a uma conclusão, uma coisa é certa, aquelas duas crianças não pediram para vir ao mundo, por isso nada nem ninguém tinha o direito de lhes fazer o que esta mulher (não lhe consigo chamar mãe) lhes fez.
Enquanto bombeiro não posso falar muito sobre isto, mas como homem não consigo esconder a minha revolta por um acto destes, acto este que considero a maior das covardias que pode existir por parte de um ser humano.
Deixo aqui o meu testemunho de muita força para toda a família, apesar de não ser nada fácil lidar com a perda de duas crianças.
Deixo também um "louvor" a todos os meus colegas envolvidos na ocorrência, pela sua coragem demonstrada na hora, sabe Deus como, mas ninguém desistiu desta nobre causa que é ser bombeiro, sim, porque não é fácil ser-se bombeiro no nosso país, e por muito preparados que estejamos para lidar com as situações mais delicadas, acreditem que ninguém está preparado nem física nem psicologicamente para uma situação destas.
Para todos os bombeiros envolvidos nesta situação, e para todos os bombeiros do nosso país deixo aqui "Um grande Bem Haja"
Dedico este post aos dois anjinhos:
António Manuel - 7 anos
Catarina - 10 anos
Com ternura: José Filipe
Nem sei o que dizer. :( :( muito triste fogo
ResponderEliminarÉ verdade amigo, como é possível existirem pessoas capazes disto?
EliminarMeu Deus... Que tristeza... Que Deus proteja os meus que eu tudo faço para que assim seja... ter saúde e sorte para que nunca nos aconteça uma desgraça destas, não só pros meus mas pra todos...
ResponderEliminarAs imagens são muito fortes... lá fiquei eu a chorar outra vez, ainda bem que cá imagens deste tipo são protegidas...
Um bem haja para todos os bombeiros, espero nunca precisar de vós...
Manuela da Sapataria Alegria
Pois é Manuela mas infelizmente estas coisas ainda continuam a acontecer.
EliminarFui a primeira a chegar e até hoje (sendo mãe) não consigo defenir o que senti, além da impotência perante os factos :-(
ResponderEliminarÉ verdade Isaura ainda hoje não consigo encontrar uma explicação para o que aquela mulher fez.
Eliminar