Bombeiros Escapam à Morte por Pouco

Quarta-feira, 9 de Setembro de 2009

Estava um dia quente, e logo pela manhã tive a certeza que iria ser um dia dificil com muito incêndios, já tinhamos uma equipa em Lagares a dar apoio num incêndio de grandes dimensões.

O pessoal andava muito cansado, pois nos ultimos dias quase não tinha havido descanso devido às muitas ignições que tinham ocorrido. Nessa tarde, substitui o Sr. Alberto na chefia da equipa, pois ele já à alguns dias seguidos que quase não dormia.

Por volta das 15h30 fomos chamados para um incêndio nascente em Cabeça Santa, e então saímos para o local no VFCI-04. Quando lá chegamos, facilmente conseguimos dominar a frente de fogo, pois este ardia com pouca intensidade.

Passado algum tempo conseguimos visualizar um novo foco de incêndio mais ou menos na zona de Ameixede.

Assim que terminamos o rescaldo, partimos em direção ao novo foco de fogo, e já tinha a indicação que também ia para o local o VLCI-06 com outra equipa, quando lá chegamos o incêndio já lavrava com bastante intensidade e rapidamente se chegou à conclusão que se tratava de uma projecção do incêndio de Lagares, muito por culpa do vento que se fazia sentir.

Quando chegou o VLCI-06 tentaram chegar à frente de fogo e nós ficamos a proteger uma habitação que ali existia.

Mas decididamente esta não foi a melhor opção, porque passados uns minutos o vento virou de direcção e o pessoal do VLCI-06 teve que fugir do fogo deixando para trás quase todo o material(mangueiras e agulheta), rapidamente me apercebi que alguma coisa estava mal, mas quando eles chegaram junto a mim já nós estavamos também completamente cercados, o vento parecia que vinha do inferno empurrando o fogo para todas as direcções, e tudo isto num curto espaço de segundos, olhei à minha volta e não queria acreditar no que os meus olhos viam, estávamos completamente cercados pelo fogo.

Tive a noção que tinha que fazer alguma coisa, então pelo rádio de comunicações solicitei ajuda ao posto de comando que se encontrava em Lagares, foi-me dito para fazer tudo que pudesse para nos aguentarmos que já iriam mandar apoio, liguei também para a nossa central dizendo o que se passava e pedi-lhes também ajuda.

Tudo isto acontecia a uma velocidade estonteante, e acreditem que não é facil gerir as emoções.

Olhei à minha volta e pensei "eu tenho que fazer alguma coisa", olhei para "os meus homens" e mais uma vez cheguei à conclusão que tinha de fazer mais, porque corríamos o sério risco de não conseguirmos sair dali, mais uma vez olhei para eles, e vi os seus rostos de pânico e de medo pela situação que viviam, alguns deles já sem forças deixaram-se levar pelas emoções e entregaram-se ao choro. Decididamente eu tinha que fazer algo mais, e então pedi que se juntassem todos, pedi para colocarem as viaturas estrategicamente junto uma da outra, e coloquei o pessoal todo no meio das duas, rapidamente fui ver a água que tínhamos, não era muita, tinha meio carro do VFCI e tinha o VLCI sem mangueira, e então dei-lhes a indicação que só gastaríamos a água que tínhamos em ultimo recurso para nossa defesa, e pedi-lhes para se protegerem do fumo o melhor que pudessem, coloquei a mangueira em carga, e disse-lhes ainda para se tentarem acalmar, que tudo ia correr bem e que iríamos conseguir sair dali.

Desviei-me um pouco para o lado dando uma rápida vista de olhos à nossa volta, estava muito complicado segurar e gerir todas as emoções, e sinceramente cheguei a um ponto que pensei "ok isto é o fim e nunca mais saímos daqui", dadas as circunstâncias era o que mais parecia que iria acontecer, e aí sim senti que pouco mais podia fazer.

Ainda estes pensamentos não me tinham abandonado e o telemovel tocou, olhei para o visor e vi, Daniela, a minha esposa parecia que adivinhava que algo estava mal, quando atendi perguntou-me se estava tudo bem, muito provavelmente sentiu isso no meu tom de voz, eu disse que sim, está tudo bem, e perguntei-lhe pelo meu filho e se estava tudo bem com ele, depois de me dizer que sim, só tive coragem de lhe dizer "depois ligo-te", e desliguei o telefone.

Daqui para a frente tudo aconteceu rapidamente e sinceramente a imagem do meu filho não me saía da cabeça, eu estava convencido que nunca mais saíriamos dali, pois o fogo e o fumo já nos tinha envolvido por completo. De um momento para o outro já eu estava quase a chegar junto da "minha equipa" ouvi um carro a aproximar-se, e então vi um VTTU dos bombeiros de Ermesinde a rasgar pelo meio do fogo, com dois colegas bombeiros em cima do carro agarrados com toda a força a um canhão de água desbravando caminho por entre as chamas e o fumo para dali nos tirar. Não imaginam o que nos passou pela alma durante todo aquele tempo, ficamos impotentes, sem força, e chegamos a ponto que simplesmente nos rendemos.

Quando vimos os nossos camaradas ali para nos ajudar, sentimos novas forças, forças estas que vêm de onde menos esperamos, e nos dão um novo vigor para nos levantarmos e seguir em frente, e assim fizémos, reagrupamo-nos e demos inicio a uma nova fase, que era sair dali.

Conseguimos felizmente sair dali ilesos, tudo correu pelo melhor mas muito sinceramente nunca pensei que isso fosse acontecer, o fogo apanhou-nos de surpresa e sem contar-mos ficamos completamente encurralados, tudo correu pelo melhor mas infelizmente nem sempre corre assim e por vezes os desfechos são muito trágicos.

Este incêndio durou ainda a noite toda e mesmo assim toda a equipa se manteve fiel aos principios de bombeiro, e continuou na luta pela noite dentro.

Aos "bravos" deste incêndio quero deixar aqui um grande Bem Haja sem esquecer os camaradas de Ermesinde que tudo fizeram para nos tirar dali, mas muito em especial à "minha equipa":

Nelson Araújo

Filipe Neves

Rita Monteiro

Joana Madureira

Carlos Pinto

Paulo Cunha

Vitor Hugo

Francisco Barbosa

Marta Santos

Para estes deixo aqui a minha homenagem, pela vossa entrega, pela vossa dedicação e por acreditarem sempre que era possível, para vocês mais uma vez, Obrigado.

Mais uma vez quero deixar aqui um alerta agora que está a chegar novamente a época dos incêndios, devemos todos nós ter todo o cuidado do mundo, porque quando menos esperamos ficamos encurralados, nada fazia prever que tal coisa nos pudesse acontecer mas o que é certo é que aconteceu, felizmente correu bem, mas será que na próxima vai correr??? O melhor mesmo é não haver próxima, por isso mesmo devemos todos nós prevenir-nos para que isto não aconteça, porque não há dinheiro nenhum no mundo que pague uma vida humana.